Quando falamos de tempo e organização de estudos há muitos unicórnios e mitos à solta por aí. Mas há também quem seja razoável.
Como primeiro unicórnio temos aqueles que falam que nada estudam e que tudo tocam como que por mistério de um talento mágico e exclusivo do qual ninguém participa.
Outro mero unicórnio com arco-íris nas estrelas, seriam aqueles que percebendo uma certa habilidade própria ao tocar, justificam a mesma dizendo que estudam inatingíveis e inacreditáveis horas e horas sem fim seguidas, posicionando-se como heróis de aço.
Mais sinceros do que estes, são os que assumem que nada estudam tendo consciência de que, da mesma forma, nada tocam como consequência disso. Nada mais elementar, de fato, pode acontecer.
Há também aqueles que tudo estudam em vão, não conseguindo nada tocar como se fossem seres especiais bloqueados para o desenvolvimento, caso que pode ser genuíno de pessoas que se esforçam, mas simplesmente não sabem como estudar.
Entre o mito e a sinceridade, há seres humanos racionais que têm consciência de suas limitações e desdobramentos, facilidades e dificuldades e que conhecem o caminho das pedras.
Antes de mais nada quero dizer que todos podem tocar saxofone, todos podem se desenvolver, todos podem atingir um nível considerável na música em geral, e para tanto não precisam de um talento de pó mágico, e tampouco ficarem internados ao lado de um saxofone 24h por dia.
Nos livros de L Frank Baum, autor americano do clássico de 1939, O Mágico de Oz, temos o momento em que os personagens encontram a famosa estrada dos tijolos amarelos. Doroty, protagonista do romance, deveria seguir a mesma para, no seu final, encontrar a tão desejada Cidade das Esmeraldas.
Unicórnios, magias e pirlimpimpins à parte, acredito que todo aquele que segue um caminho correto, respeitando suas particularidades, pode alcançar, no mundo real, a tão sonhada habilidade de tocar o saxofone, temos aqui a nossa verdadeira estrada dos tijolos amarelos.
Afinal de contas, o que devemos estudar para dominar o saxofone? Quanto tempo devemos estudar para tanto? Como podemos organizar nosso dia a dia nesse sentido? Qual seria o caminho correto para conseguirmos atingir, dessa forma, nosso objetivo?
Considero que, para termos desenvolvimento musical voltado para a prática e não uma mera excitação teórica que logo se perde no esquecimento, devemos privilegiar algumas áreas definidas do estudo do saxofone essenciais ao desenvolvimento de qualquer músico.
O que deve ser estudado no saxofone está de alguma forma expresso nos seguintes ítens, os quais defini para mim mesmo durante meus mais de trinta anos de experiência com este instrumento.
Sonoridade, Leitura, Percepção, Técnica e Agilidade, Visão Harmônica, Músicas Específicas, Interpretação, Improvisação, Repertório e a Gravação de si para auto-avaliação. São dez ítens essenciais que devem ser praticados por todo saxofonista no decorrer de seu desenvolvimento.
Iniciantes no saxofone devem buscar o privilégio da sonoridade, da leitura, da percepção, e de músicas específicas no que toca à melodia e ao ritmo como eles o são.
Intermediários devem acrescentar a tudo isso a técnica e a agilidade, interpretação, bem como o estudo de um repertório mais amplo, no qual possam se expressar com facilidade.
Já os avançados, tendo todos os ítens anteriores em vista, devem buscar a compreensão da visão harmônica, unida ao ritmo e à melodia, bem como o estudo da improvisação.
Todos devem se preocupar com a gravação de si mesmos, e estarem em constante auto-avaliação daquilo que produzem no instrumento, pois só assim encontrarão os meios de se enxergar naquilo que fazem de bom ou mau, e também de se corrigir.
Quanto tempo devemos estudar para o desenvolvimento efetivo do saxofone? Esta é uma pergunta que não cala, como resposta a ela posso formular o fato de que depende de cada qual, da vida de cada um de nós, da particularidade de todos.
Alguns se dão bem estudando várias horas, e estudar várias horas não é um pecado e nem um ato heróico, faz parte da característica de quem se dá bem com isso, e tem tempo para tanto.
Outros não se dão bem com o estudo massivo de várias e várias horas a fio, preferem doses mais homeopáticas de desenvolvimento, uma menor quantidade de tempo, porém, mais intensa.
Aqui ressalto a importância de se fazer pausas, em número maior conforme maior o tempo de estudo. Estudar saxofone é uma atividade física e intelectual, a pausa tem efeitos positivos para ambas as esferas.
Ninguém consegue se desenvolver musicalmente ou em qualquer atividade que seja, sem um momento de decantação da informação e da atividade em si, sob o risco de encontrar uma grandiosa improdutividade, ou ainda, o que é pior, sérios problemas de saúde.
De forma que, não é pelo fato de estudarmos várias horas, ou ainda estudarmos apenas cinco minutos vendo TV que vamos ter desenvolvimento, mas sim porque estudamos o tempo que nos é dado da melhor maneira possível e da maneira correta.
Vale frisar também que o mínimo para um desenvolvimento básico é o estudo de uma hora diária, porém, no caso de não haver essa possibilidade em algum momento, é de extrema importância manter um contato diário com o saxofone em pelo menos cinco minutos que sejam.
Debruçando-nos sobre como organizar a nossa rotina de estudos diária nesse sentido percebemos que, quanto mais interdependência dos tópicos a serem estudados acima mais rendimento teremos com menos tempo de estudo.
Por exemplo, podemos estudar sonoridade (notas longas), percepção (ouvindo as notas fundamentais de uma progressão harmônica tocadas por nós mesmos), visão harmônica (entendendo assim a sucessão dos acordes e já nos familiarizando com ela), músicas específicas (utilizando para isso de uma música qualquer que tenhamos como finalidade), e repertório (acrescentando o conhecimento de mais uma música para nosso hall de possibilidades).
Quanto mais conseguirmos unir os tópicos em sua interdependência, mais estaremos matando vários coelhos com uma cajadada só economizando tempo. Vale lembrar que o tempo é um de nossos mais importantes ativos, uma vez perdido, não pode ser recuperado.
O importante para que consigamos atingir nossos objetivos nos estudos é que estudemos com metas definidas, que venham a convergir para um objetivo único e final que almejamos com tudo o que fazemos. Assim teremos racionalidade ao desenvolver prioridades nos estudos.
Há alguns que preferem espaçar os tópicos em intervalos de tempo maiores, utilizando-se para tanto de mais de um dia com a combinação de alguns deles. No entanto, temos os que preferem fazer todos os tópicos no mesmo dia, em doses menores, familiarizando-se com eles diariamente.
Tudo isso é válido, desde que sigamos a inclinação de cada um naquilo que respeita à efetividade do estudo, no sentido de experimentar e ver na prática qual modelo lhe ocupará maiores resultados.
Válido também é entender que estudamos sempre o que nos falta, e não aquilo no que abundamos em termos de facilidade. É o que nos incomoda, aquilo que está fora de nossa zona de conforto, que deve ser o alvo, no sentido de evoluirmos para algo novo e melhor.
Nosso objetivo deve ser tal música que queremos tocar e ainda não temos nível para tanto, tal habilidade musical que queremos desenvolver, isso deve estar muito claro para nós, para que possamos assim saber exatamente onde fica nossa Cidade das Esmeraldas aquela que guiará todo o nosso desenvolvimento.
Devemos, acima de tudo, ter um diário de estudos onde anotamos o que fazemos, como progredimos, e como desejamos progredir, anotações nos ajudarão certamente a encontrar uma organização mais apurada em nosso dia a dia.
Importantíssimo é também saber que devemos privilegiar o estudo por conteúdo e não por tempo, no sentido de gerir nosso estudo, não meramente por horas ou minutos, mas por aquilo que de fato estudamos em meio a essas horas e minutos, tendo assim uma meta concreta no que fazemos a qual devemos atingir.
Falando a grosso modo, este seria um esquema de recomendações que faria para todo estudante de saxofone, no sentido de poder, assim obter os maiores e melhores resultados em seu estudo musical.
Nessa jornada não precisamos de unicórnios, pós mágicos, talentos inatingíveis, 24h de internação ao lado do instrumento diárias, ou coisas bizarras nas quais muitos se apóiam para, maliciosamente, gerar exclusão e privilégio.
O que nos resta é a realidade de uma estrada dos tijolos amarelos definida racionalmente que nos conduzirá à Cidade das Esmeraldas de cada um, ou seja, falando em termos mais próprios, o domínio deste instrumento fascinante que tem o poder de mover de forma inigualável o coração humano.
Daniel Vissotto