Mais importante do que a dificuldade de percepção melódica e harmônica, que é tão falada entre os músicos, é a dificuldade rítmica, a dificuldade de tocar no ritmo no saxofone, tão negligenciada pelos professores, e tão presente em muitos, principalmente aqueles que se colocam a aprender o sax sozinhos.
Os Vícios Rítmicos do Autodidatismo
Aprender saxofone de forma autodidata tem suas vantagens, não estabelecemos compromisso com ninguém, não fazemos investimentos senão de tempo, e com a quantidade de material disposto na internet hoje em dia para o aprendizado conseguimos até mesmo alguma evolução.
Porém, corremos um risco sério, desenvolver vícios. O vício não advém de uma atitude, o vício advém de um hábito, um mau hábito ao saxofone. E o principal vício de quem é autodidata nessas condições é o vício rítmico, ou seja, desprezar a homogeneidade rítmica.
Alguns têm grande facilidade para tirar melodias, conseguem expressá-las até mesmo de forma compreensiva e bela, porém, as tocam todas em rubato, ou seja, sem um ritmo definido. Não há problema em tocar em rubato, o problema está justamente em tocar somente em rubato.
O rubato, interpretação na qual há liberdade rítmica, na qual roubamos tempo de uma nota para dar a outra, é muito belo, se feito com consciência, porém, quando começa a se tornar um vício, passa a ser um problema para o saxofonista. Há quem não consiga tocar saxofone senão em rubato.
Ele funciona muito bem quando tocamos sozinhos, porém, quando passamos a tocar com uma referência rítmica, seja ela qual for, uma referência que não está em nós, então temos um problema pela frente, ou seja, conseguir se referenciar nessa referência e fazer dela a mestra de nossa musicalidade.
A Homogeneidade Rítmica
O primeiro passo para quem toca dessa forma, sem referência rítmica precisa, ou seja, toca de acordo com o gosto pessoal ritmicamente, é descobrir o que chamamos de homogeneidade rítmica. Sem conseguir expressar homogeneidade rítmica não conseguiremos nos desvencilhar desse vício de tocar de forma irregular ritmicamente.
O que é homogeneidade rítmica? Significa produzir sons que possuam uma equidade rítmica no tempo, um intervalo de tempo entre eles constante, uma cadência regular de temporalidade, de forma a reproduzir notas musicais que estejam equivalentes em termos de duração no tempo.
Para tanto, é preciso praticar, e a prática disso se dá por meio de escalas, arpejos e todo tipo e exercício no qual há um raciocínio pré-definido no qual já sabemos as notas que vamos produzir, e sua ordem, porém, precisamos com isso praticar sua rítmica.
O ritmo se aprende por percepção, tanto quanto a capacidade de identificar melodias e harmonias, é de tanto ouvir que conseguimos identificar o sentimento característico do andamento, e conseguimos assim, reproduzi-lo.
Sim, um sentimento, o ritmo é, em si mesmo, um sentimento. Ritmos mais rápidos trazem para mim o sentimento do desespero, de um ser que corre em função de algo que não pode esperar. Já ritmos mais lentos, trazem uma calmaria, de um ser que não tem pressa para viver, esse sentimento psicológico já é o ritmo, e a música é isso, a saber, sentimento.
Precisamos, para produzir um ritmo regular no saxofone, vencer as dificuldades de coordenação motora que nos permitam expressar o exercício com a precisão que o ritmo exige, a saber, nota por nota, em homogeneidade, sem esperar, sem pensar, sem atrasar, e muito menos adiantar.
Primeiro sem metrônomo, lentamente, depois com o metrônomo, primeiro com a referência rítmica em si mesmo, depois com uma referência rítmica externa. Lento, médio e rápido, o andamento deve ser praticado em todas as nuanças de velocidade.
Quem toca lento não toca necessariamente rápido, e quem toca rápido não toca necessariamente lento, são técnicas diferentes, e se uma influencia a outra, o lento influencia o rápido muito mais do que o rápido o lento, como pensam a maioria dos saxofonistas.
É preciso se desenvolver na homogeneidade, saber reproduzir divisões de tempo, e subdivisões também, nesta parte as subdivisões são o grande desafio, ou seja, conseguir dividir o tempo em dois, três, quatro etc. é algo de grande teor de dificuldade para alguns.
É preciso praticar isso, com a voz, com as mãos, e depois, vencendo a etapa da coordenação motora, com o próprio sax, quem não conseguiu dividir, não consegue subdividir, e quem não consegue subdividir terá muita dificuldade em tocar com ritmo uma melodia.
Divisões e Subdivisões Musicais
A música é feita de divisões e subdivisões, tudo na música encontra chão nessa concepção, ou seja, o lugar das coisas numa música está no ritmo, sem conseguir dividir e subdividir a temporalidade, será muito difícil entender e reproduzir uma música com ritmo definido.
Sim, a intuição é interessante, intuir uma música é maravilhoso, mas quão mais maravilhoso será, sem dúvida alguma vencer a mera intuição ou ainda o mero raciocínio e utilizar-se dessas duas armas ao mesmo tempo, em congruência e paralelismo se ajudando uma à outra?
Vencida a coordenação motora, e alcançada uma regularidade rítmica de andamento, por meio de uma referência rítmica interna, ou ainda externa, para que possamos aprender a nos referenciar em algo que está e não está em nós, vamos ao próximo passo.
Antes de tocar uma música é preciso definir o ritmo no qual ela habitará, sentir esse ritmo, reproduzir esse ritmo, imaginá-lo, senti-lo nas entranhas, e assim a música poderá acontecer, muitos se enveredam para uma música sem esse trabalho, e acabam por se esborrachar.
Num primeiro instante conhecer as notas de uma música, nota por nota, vencer as dificuldades motoras das passagens, treiná-las, nota por nota, célula por célula, frase por frase, período por período, até adquirir a desenvoltura necessária para se expressar por meio dessa música.
Feito isso, passar a expressar essa música com uma referência rítmica interna, definir um ritmo, um andamento, no qual a música estará presente, e ao qual ela obedecerá. O andamento acontece independente da música, a música está toda ela acontecendo em função desse andamento.
É preciso perceber o andamento das músicas, encontrar a pulsação de todas as músicas que ouvimos, escutar música de maneira apurada, não ouvir por ouvir, mas escutar mesmo, atentamente, parar tudo para extrair disso o máximo que isso pode nos dar.
Entender o que é uma pulsação, reproduzir a pulsação de uma música é algo essencial para conseguir encontrar o andamento, o ritmo, e posterior encaixe de cada nota nas divisões e subdivisões disso tudo.
Conseguir sentir a duração de um tempo, de um compasso, o enquadramento de um período musical, de um chorus etc. A música possui temporalidades regulares, geralmente e não sempre, formam compassos pares que se confirmam, praticamente tudo nela é regular.
Feito esse trabalho de percepção, no qual associamos sentimentos aos períodos temporais, conseguimos trazer para nossa execução musical o tempo correto para cada nota, para cada passagem.
Primeiro tocando nota por nota em rubato, depois tocando bem lento numa rítmica definida, não importando exatamente o andamento que fazemos, desde que ele seja constante. Posteriormente a isso ir acrescentando o metrônomo.
O Metrônomo
O metrônomo pode ajudar em muitos casos, mas em outros pode vir a atrapalhar. Falemos um pouco desse recurso tão comum dos músicos, a saber, a utilização do metrônomo, suas vantagens e desvantagens e suas recomendações.
O metrônomo é bom para aqueles que já venceram suas dificuldades de coordenação motora para a execução de um exercício, de uma passagem. Se você ainda precisa treinar uma música, um exercício e tem dificuldades de expressá-lo musicalmente o metrônomo será prejudicial e só te atrapalhará.
Outra coisa que o metrônomo retira, e isso mesmo depois de vencidas as dificuldades motoras, é a flexibilização da música, a música possui uma determina da flexibilidade, e o metrônomo, por ser praticamente um relógio, tem obrigação de expressar a temporalidade com regularidade exata, coisa que a música não possui.
Porém, se você já venceu suas dificuldades motoras nessa passagem à qual se destina a tocar, se você está buscando tocar com uma referência rítmica externa, o caminho será sempre de utilizar sim o metrônomo.
É preciso refletir o andamento do metrônomo, ter a habilidade de tocar a música em pulsações e cadências diferentes, mais lento, mais rápido, uma cadência média etc. Se você não é capaz de fazer isso jamais conseguirá tocar em conjunto com outros.
Vencida a dificuldade do metrônomo, começando por andamentos mais lentos e depois chegando a andamentos mais rápidos, até o andamento original da música em questão, temos que estamos conseguindo tocar com uma referência rítmica externa.
A Prática do Playback
Estamos a dois passos de expressar a música com ritmo, o próximo passo, diante das tecnologias que possuímos no momento é tocar com um playback conseguir se enquadrar perfeitamente dentro do contexto de um acompanhamento.
O playback é um acompanhamento gravado de uma música, geralmente feito com instrumentos verdadeiros, porém, é algo que sempre se repete, e conseguir referências rítmicas e melódicas no playback é algo de muito fácil, pois ele sempre é tocado à mesma maneira.
É preciso ouvir o playback, conhecê-lo a fundo, saber o papel de cada instrumento da faixa, conhecer a função de cada um desses participantes, no sentido de poder se referenciar neles para poder se localizar em todos os sentidos.
O instrumento que mais nos localiza no playback geralmente é o baixo e a bateria, pois marcam o ritmo da música com mais regularidade. O baixo e a bateria são o chão de tudo o que acontece na música, sem essa referência sequer é possível ter música dançante.
Começando sozinho, do fácil para o difícil, depois com o metrônomo, do lento para o rápido, passando aos poucos para o playback, devemos arriscar tocar em grupo, esse é o próximo passo para a plena liberdade rítmica.
A Prática em Grupo
Quando tocamos em grupo um elemento musical entra em jogo, algo que não conhecíamos, a saber o diálogo, que acontece por meio do ritmo, da melodia, da harmonia, da intensidade, e de todos os componentes que expressam a música em questão.
Uma banda não é um playback, é um grupo de pessoas que “conversam” entre si, dialogam, e por isso tocam cada vez que tocam de uma maneira diferente, principalmente quando falamos de música popular.
É preciso aprender a dialogar, a influenciar e também a ser influenciado, a entrar num contexto de uma banda, a prática em grupo é fundamental para o desenvolvimento do aluno musicalmente falando, jamais tocar com playback será o mesmo que tocar em grupo.
Passando por todas essas etapas, estamos aptos a dizer que vencemos nossas dificuldades e vícios rítmicos, de forma a alcançar um patamar musical considerável.
Se você tem dificuldades rítmicas, aconselho sem sombra de dúvida aulas com o professor, nas quais você terá um trabalho voltado para essas dificuldades em exclusivo, direcionado para suas características próprias.
Faça já uma aula experimental gratuita, agende para conhecer o trabalho e certamente terá em mãos um trabalho sério que fará a diferença.
Daniel Vissotto