O ato de tocar música de ouvido começa quando sentimos o som nos ouvidos e no corpo, se não temos esse sentido, esse sentimento, não é possível perceber a música.
Tocar Música de Ouvido Começa no Sentimento
A música bate, bate no ouvido, bate no corpo, bate na alma, então ela ganha significado, seja ele qual for, ela terá um significado para quem está ouvindo.
Dizem por aí que a música se associa à memória, memória de sentimentos, de acontecimentos, de eventos humanos, de forma que aos poucos vamos aprendendo a associar sons a elementos presentes em nossa vida.
Ninguém tem percepção sem essa associação interna dos sons aos sentimentos e eventos da vida, é essa associação que nos faz identificar o que é o que na música, de forma que aos poucos, vamos discernindo o mundo por detrás dos sons.
Não basta para tocar música de ouvido termos percepção de sons puros, conceitos como do, re, mi, não. O que temos de buscar também é o sentimento, o mundo por detrás do sons que estamos identificando, o significado que cada sonoridade tem para cada um de nós.
De que vale saber quantos Hertz tem a nota la de afinação universal, pelo contrário devemos saber o que a nota la significa para nós dentro do contexto de uma música.
A meu ver a percepção não é uma questão puramente conceitual, é uma questão também psicológica, no sentido de que devemos associar sons a sentimentos que temos com os eventos vividos.
É isso que facilita a percepção e identificação dos sons em si mesmos, diante de alguém que está querendo saber se o intervalo é de terça ou quarta, ou se a nota é mi ou sol.
Ouvir sem Crenças Limitantes
Inúmeras pessoas não têm consciência de que podem perceber, de que têm a capacidade de tocar música de ouvido, e não percebem justamente por conta disso, sem saber que podem, que essa faculdade lhes é cabível, acabam por conta disso por não conseguir.
Crenças limitantes são muito presentes nesse universo, o mundo vulgar faz da percepção musical um conto mágico de fadas, no sentido de que quem percebe é quase que um privilegiado inexplicável que não pode ser atingido.
Muitos se favorecem disso e se posicionam nessa situação como seres especiais inatingíveis, promovendo barreiras mil para quem está começando ou não tem consciência ainda de nenhum caminho para a percepção.
Há muitas faculdades perceptivas que são natas, e outras não, as habilidades que precisamos para tocar bem, dentro de minha concepção e baseado na experiência de mais de dez anos dando aulas, são plenamente passíveis de desenvolvimento.
A crença limitante é o primeiro passo a ser quebrado. Para conseguir precisamos acreditar que podemos conseguir, caso contrário estaremos presos por nós mesmos à impotência.
O Contraste dos Sons
Uma das primeiras coisas que se percebe no mundo dos sons musicais é o contraste que há entre o grave e o agudo, precisamos discernir o que é grave e agudo, para então compreender o desenho dos sons.
Ficaríamos abismados de saber quantas pessoas não conhecem o sentimento do grave e do agudo, no sentido de ter dificuldades de sequer discernir uma nota mais grave ou aguda em relação a outra.
Para conseguirmos sair dessa situação precisamos associar sons a sentimentos, o que é o grave? Basta que soemos essas notas para a pessoa, para que ela possa, dentro do universo próprio associá-las a algo.
Quanto maior o contraste entre o grave e o agudo mais rápida e simples será a percepção do conceito, notas mais distantes serão mais facilmente reconhecidas do que notas mais próximas.
Tudo parte do ideal de se associar sons a sentimentos, e sentimentos a eventos vividos. Sem isso não teremos, ou teremos muito poucos elementos para discernir os sons.
O grave pode ser um sentimento de seriedade, de gravidade no sentido de algo difícil de ser encarado, algo que deve ser encarado sem brincadeiras.
Já o agudo pode ser associado à infância, por que não, sentimentos inocentes, simples, claros. Sempre associei sons agudos a momentos de minha infância.
Vale afirmar que tudo isso depende de cada indivíduo, a associação vai estar relacionada ao universo no qual cada um se insere no mundo.
Aprendendo a perceber, por associação psicológica o que são graves e agudos, vamos diminuindo as distâncias dos intervalos até encontrar o intervalo de meio tom, o menor intervalo temperado.
Nesse percurso muitos podem encontrar uma facilidade incrível, já outros em intervalos mais reduzidos encontrarão algumas dificuldades.
Contemplar Constantemente os Sons é a Saída
A contemplação será a saída, aos poucos, ao contemplar os sons e compará-los vai se percebendo suas diferenças.
Quando olhamos rapidamente para um quadro não percebemos as diferenças entre seus elementos, porém, quando olhamos atentamente, vários dias a mesma obra sabemos tudo o que se passa dentro dela.
Encontrando e discernindo o intervalo de meio tom, temos a percepção plena do grave e do agudo, passando assim a conseguir até mesmo afinar um instrumento.
A partir desse momento temos a capacidade de identificar e reproduzir sons, ou seja, se eu soar um do no meu piano, alguém poderá ouvi-lo e cantar igualmente um do com sua voz.
Tudo passa por ouvir, internalizar com o corpo (cantarolar, por exemplo) e reproduzir no instrumento. Esse sempre será o caminho da percepção.
Depois disso precisamos conhecer o intervalo de um tom. Ou seja o conjunto de dois semitons. Se sabemos um semitom sabemos dois, se sabemos dois sabemos a distância de um tom.
Sabendo isso, temos condições de começar a cantarolar músicas, e também escalas. Pelas escalas é possível compreender os intervalos.
Tendo a conquista de conseguir, na afinação perfeita, cantar em conjunto com uma referência uma ou várias notas de uma melodia, estamos aptos a tirar facilmente essa melodia de ouvido.
Lembrando sempre que o passo para conseguir aos poucos discernir e identificar sons (com clareza e distinção) é a associação psicológica dos mesmos.
Tal intervalo me lembra de tal música, que me traz tal sentimento, que me remete a um evento vivido de minha vida, de forma que associando conscientemente dessa forma teremos um resultado muitíssimo mais rápido na percepção.
Essa associação será muitíssimo importante e forte para o momento que começarmos a ter percepção harmônica, uma das últimas formas de percepção que desenvolvemos.
O principal trabalho para que comecemos a identificar notas da maneira dita atrás, é o trabalho de diferenciação do grave e do agudo.
Quanto Tempo Leva para Perceber
Esse universo perceptivo pode demorar para se manifestar ou não, porém, todos têm plenas condições de chegar até ele.
Identificando notas, com treinamento, conseguiremos identificar intervalos, escalas, melodias, e posteriormente harmonias, isso sem contar a percepção rítmica, que também é aprendida pelo contemplar com o ouvido.
Esse trabalho deve ser feito em prática distribuída por todos os dias, um pouco por dia, através de uma pessoa auxiliar, de um app de percepção, ou de qualquer forma de contemplação diária dos sons.
Sem essa prática diária, um pouco por dia, será difícil de se desenvolver a percepção da maneira desejada, por isso é importante que se faça isso dessa forma.
O pintor precisa saber das cores para poder pintar, assim saberá aos poucos como misturá-las produzindo colorações diferentes.
O músico, por sua vez, precisa saber dos sons para se expressar através deles. A mais importante tarefa que deixo neste humilde texto é que o músico deve, inevitavelmente, fazer a associação psicológica dos sons para poder assim gravar os mesmos dentro de si.
Essa associação deve ser feita conscientemente, de forma a ser clara e explícita, ainda que um pouco arbitrária, os sentimentos vividos têm de aflorar e ser associados aos sons, para assim facilitar seu discernimento.
A Teoria Aliada da Percepção e da Prática
Associado a tudo isso o conhecimento teórico dos sons, desde o que é tom, semitom, intervalo, escalas, construção de acordes, campos harmônicos, progressões, extensões etc. certamente será um facilitador imenso para a percepção.
Devemos ao mesmo tempo que associamos sons a sensações vividas, podermos com isso, identificá-los também com os fatores teóricos musicais mencionados.
A teoria vem junto, não depois, essa é minha concepção, a teoria facilita, e não bloqueia como dizem alguns. A idéia de uma teoria que bloqueia o conhecimento decorre do fato de não se conhecer perfeitamente o conceito.
É preciso conhecer o conceito musical, associar os sons a ele e aos sentimento pessoais de cada um, e traduzir tudo isso em música, em vida musical prática no instrumento.
Fazendo assim, não há porque não se desenvolver a percepção da maneira que desejamos. Durante muitos anos venho trazendo o trabalho de percepção a meus alunos tendo resultados impressionantes com muitos deles.
Caso deseje desenvolver-se neste quesito, e queira uma orientação mais dirigida, aconselho aulas particulares online, par que possa assim desenvolver-se muito mais direta e rapidamente.
Daniel Vissotto