Tirando Melodias e Solos de Ouvido no Sax

O primeiro passo para tirar músicas de ouvido é conhecer bem a escala cromática, as escalas maiores e as escalas menores. É necessário conhecer todas essas escalas para tirar músicas de ouvido? Não, mas as conhecendo a coisa fica muitíssimo mais fácil.

Depois disso é interessante ouvir muito a música que vai ser tirada, e isso apenas na versão na qual vamos nos basear, procurar cantarolar a melodia da música, independente da sua letra, desde o primeiro momento até o fim, conhecer a fundo a melodia e o arranjo da música e isso se dá ouvindo e reproduzindo com a voz.

Duas coisas precisam ser atingidas, conseguir cantar a música sozinha sem acompanhamento, e depois conseguir cantar a música junto com a gravação, para conferir se, quando cantamos sem ela, estamos fazendo correto. Quanto mais ouvirmos a música, e quanto mais prestarmos atenção nela, mais fácil será o trabalho de tirar de ouvido.

Uma vez identificada a melodia da música, sentida sua musicalidade, e reproduzida ela com a voz, o ideal é passar para o instrumento do saxofone. Para tanto precisamos saber, antes de começar a tirar a música, qual o tom da mesma para poder assim, facilitar o trabalho e sabermos mais ou menos quais são as notas que estão vigorando.

Para encontrar o tom de uma música que não temos partitura, há vários métodos, mas eu gosto de sentir a melodia e onde ela tem momentos de grande repouso. O tom acima de tudo é aquilo para o qual toda a harmonia e a melodia caminham, é nele que a música se realiza como um todo, geralmente a harmonia de uma música tem seu tom em grandes momentos de repouso, e esses momentos são, por exemplo, o fim de uma estrofe, ou o fim de uma música propriamente dita.

O que é um momento de repouso? É um momento onde os acordes e a melodia se resolvem numa situação musical que não deseja nada mais além do que já está, um relaxamento, nesse acorde, e na maioria das vezes, nessa nota, está o tom da música. Essa receita para achar o tom não é cem por cento certa, mas funciona na maioria esmagadora das vezes, principalmente em músicas que obedecem uma harmonização mais tradicional e comum.

Outra forma de encontrar o tom de uma música é tocar uma escala sobre a gravação da música. Sentir se ela casa com a música, se você encontra consonância ou dissonância nas notas dessa escala para com a harmonia da música. Tocando a escala, e não havendo choques, geralmente essa escala será o tom da música em questão, isso é algo que facilita encontrar o tom também, agindo por tentativa e erro, tocando várias escalas até encontrar aquela que expressa a consonância com a música em questão, o que é a característica do tom.

Outra forma de encontrar o tom é olhando para a partitura, na partitura encontraremos explícita a armadura de clave, que expressa tanto tons maiores ou menores, já teremos uma pista maravilhosa de onde está o tom, embora não definitiva. Depois vamos aos momentos de resolução da música, quais acordes e notas são característicos desses momentos, pela partitura fica muito fácil de achar o tom de uma música.

Outra forma é identificar os acordes da música, sentindo as raízes desses acordes através, principalmente, da participação do baixo dessa música, que é o que de fato manda na harmonia. Conseguindo identificar os acordes fica fácil encontrar o tom, pois a maioria esmagadora desses acordes expressará um campo harmônico específico de uma escala, e esse campo harmônico será, na sua predominância, o tom da música.

Há diversas formas de se encontrar um tom de uma música, estas são as mais comuns, porém, é importantíssimo que se identifique o tom da música para tirar a música de ouvido, pois a partir disso as coisas ficam muito mais fáceis para quem está tocando, elimina-se a maioria das notas possíveis, e nas notas do tom selecionadas, conseguimos identificar a melodia muitíssimo mais facilmente. É possível tirar uma música de ouvido sem identificar o tom? De fato é. Mas o trabalho será bem mais árduo.

A partir do momento que ouvimos a música, cantamos junto com a gravação, conseguimos decorá-la em detalhes pelo muito ouvir, e também identificamos o tom, o trabalho começa a se dar de maneira mais tranquila. O que vamos fazer a partir disso é como o desenrolar de um novelo, ou seja, vamos pegar a primeira nota da música, e a segunda, e a terceira, uma por vez até encontrar todas as demais, e construir assim a melodia da música em questão.

Para quem sabe transcrever uma música de ouvido, certamente isso facilitará, tornará o processo de memorização muitíssimo mais rápido e eficaz. Porém, nem todos têm a habilidade de escrever partitura, de forma que, o que podemos fazer nesse caso é decorar pela repetição a execução da música aos poucos. Já tivemos um trabalho árduo de ouvir e decorar a partir da voz, agora o trabalho é trazer tudo isso para o saxofone, nota por nota, identificando e decorando a sequencia. Mais uma vez ressalto, sabendo escrever o que estamos tirando, a coisa fica mutíssimo mais fácil, nem que seja um rascunho não muito preciso.

Como identificar as notas? Ora, o ideal é partirmos da gravação, se possível diminuir a velocidade da reprodução da gravação, ou repeti-la inúmeras vezes, até conseguir cantar a nota em questão. Uma vez captada a nota pela voz, e devidamente identificada, devemos encontrar essa nota no saxofone, de novo, por tentativa e erro, sentindo se as notas que tocamos são mais agudas ou graves do que a nota que queremos, até encontrarmos um perfeito casamento entre a nota que ouvimos, a nota que cantamos, e a nota que estamos tocando no saxofone.

O processo de identificação de uma nota musical, passa sempre por três etapas, ouvir, reproduzir com a voz, e depois disso tocar no instrumento musical. Tendo a capacidade de fazer isso nota por nota de uma música, as coisas ficam mais fáceis, depois disso é só sentir o ritmo da melodia e reproduzir o conjunto das notas que estamos identificando em meio a isso da forma correta. Ouvir, cantar, tocar, e unir todas as notas no ritmo da melodia na gravação, esse é o caminho.

Conseguindo chegar ao fim da melodia em questão, teremos tirado uma música de ouvido. Para quem tem dificuldade de identificar as notas que ouve, o ideal é que parta de exercícios básicos de percepção, como por exemplo, identificar o grave, o médio e o agudo. A relação entre esses conceitos a partir das notas. Procurar depois disso cantar e identificar a diferença entre tons e semitons.

Começar a cantar a escala maior, os intervalos (sempre ouvindo muito para poder identificar tudo isso e reproduzir com a voz), o processo de desenvolvimento do ouvido se dá quase que por osmose, é de tanto ouvir, mas ouvir com atenção e apreço, que passamos a identificar as notas e a conseguir reproduzi-las na voz, e posteriormente no saxofone.

A percepção rítmica e melódica se desenvolve ouvindo, e tentando reproduzir com a voz e com movimentos corporais (como palmas por exemplo), sentindo a espacialidade do ritmo e a integridade do som em meio à altura das notas. Quanto maior o trabalho de percepção através desse caminho que propusemos, mais fácil será a identificação das notas, a reprodução com a voz, e a posterior execução no instrumento, primeiro nota por nota, depois a melodia em si mesma com o seu ritmo característico.

Na verdade, o processo de percepção das pessoas é um tanto quanto diferente de cada um para cada um. De forma que este caminho que propus é o mais comum, mas não o único. As pessoas têm diferentes graus de percepção do ouvido, estão em diferentes estágios de desenvolvimento. De forma que cada um percebe a música e a sente de forma diferente.

Este artigo tem como objetivo trazer um norte para quem quer se enveredar por essa prática no saxofone. Ou seja, tirar melodias e solos no seu instrumento. Mas não é uma resposta absoluta que todos devem seguir à risca.

Após tirar a melodia há também o trabalho de tirar a harmonia, entender a harmonia, e também como a melodia e o solo se encaixa nela, transcrever a harmonia etc. Uma música pode oferecer um aprendizado infinito se soubermos extrair dela. Há relatos de que Coltrane tocava noites inteiras a mesma música em suas apresentações, e o público de fato não se cansava de ouvir. Isso porque a riqueza que pode ser encontrada numa simples música é infinita.

Tirar a melodia é o primeiro passo do aprendizado de uma música, e seguramente esse passo se dá em algum sentido passando por estas etapas.

Daniel Vissotto

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