A questão do talento x esforço no universo do saxofonista é uma matéria a ser discutida.
Seria a música uma qualidade nata, uma questão meramente de um dom divino e estanque, algo sobrenatural, uma espécie talento mágico que está disponível para poucos privilegiados?
Não se pode negar a questão do talento, há pessoas que estão naturalmente à frente de outras em alguns quesitos. Eu não posso mentir.
A pergunta que se faz é, por conta disso, a música é coisa para poucos? Devemos insistir numa coisa que pode se revelar um murro em ponta de faca?
Afinal de contas, se há o talento e o talento é algo para poucos, o que temos é que nem devemos querer aprender a música, pois podemos nos deparar com o fato inegável de que não temos talento.
E estar diante de uma impossibilidade tamanha como essa é algo que nos fere o interior de tal forma que é preferível nem tentar. Talvez.
Esse é o raciocínio de muitos. E ficaríamos assustados de ver quantas pessoas sem sequer começar, sem sequer tentar, já desistem da coisa por conta disso.
Sim, pode não ser agradável investir alto em aprendizado musical, investir tempo e dinheiro nesse tipo de aprendizado, se esforçar horrores por ele e acabar com a revelação bombástica de que não temos talento para tanto.
O Talento Seria algo Estanque e Imutável?
No entanto, quero mudar o caráter da pergunta que fizemos até então. Já constatamos que o talento existe de fato, basta observar. Porém, a música dependeria de um talento nato e estanque para acontecer ou poderia no embate talento x esforço o segundo sair vitorioso?
É esse raciocínio, precisamente, que quero combater neste artigo, a saber, a idéia de que as situações comuns da música em geral dependem de um talento nato, dado, e imóvel para acontecer.
Para tanto não vou negar a existência do talento, seria uma estupidez fazê-lo, pois qualquer pessoa sincera que tenha dois ouvidos perceberá que uns têm mais talento do que outros.
Por talento entendo a capacidade de assimilar a música mais rápido do que a maioria em geral, a capacidade de compreender e executar a música com inegável facilidade.
A pergunta que se faz é a seguinte, seria esse talento, uma faculdade nata, que não se pode adquirir por nenhuma via, algo dado, estanque e imutável, que não pode ser adquirido de nenhuma forma?
É justamente essa crença que quero quebrar. Na minha visão, e este é o meu lema, talento também se aprende, se absorve, se adquire, se desenvolve. Até as pedras podem mudar.
O Talento como uma Condição Atual do Indivíduo
O caráter nato do talento se resume à condição atual do indivíduo, porém, o que defendo arduamente em minhas aulas é que o talento pode ser desenvolvido pelo esforço.
E mais, defendo que o esforço tem meios de elevar um aluno a uma condição de ser virar bem na esmagadora maioria das situações musicais de forma plena e satisfatória.
Muitos não gostam de ensinar, houve no Brasil até pouco tempo atrás a cultura de que devemos esconder o ouro para nós mesmos independente dos demais. E essa cultura ainda é presente para alguns.
O que mais se via, e ainda se vê por aí, é professores competindo com alunos, procurando destruir mais do que construir, e vou contar uma história minha aqui para exemplificar a questão.
A Questão do Talento x Esforço em Minha História
Certa vez fui a um professor importante de saxofone cujo nome não vou em hipótese nenhuma revelar, e fiz uma aula de saxofone.
Nessa aula eu simplesmente toquei muito bem a música que me propus a tocar, o professor subitamente ficou encantado com o meu “talento.”
Ele ficou contente, fui tremendamente elogiado pelo mesmo, de sorte que saí da aula extremamente feliz, pois de fato, eu considerava em muito alta conta a opinião do professor em questão.
Na aula seguinte, uma coisa inesperada aconteceu. O professor iniciou a aula com a cara emburrada, e tremendamente mal educado comigo. Alguma ficha caiu dentro dele.
Eu contornei, e pensei comigo mesmo: ele deve estar num dia ruim, vamos relevar. Então comecei a tocar novamente uma música que tinha levado para que ele pudesse me dar uma opinião.
De repente, comecei a perceber uma tendenciosidade clara para me diminuir musicalmente diante dele. Ele notou que a sua opinião era importante pra mim e por isso a distorceu de uma forma abrupta e contrária a si mesmo.
Começou a destilar críticas mil à minha execução musical, foi algo tão infantil que eu, apesar de sentir o impacto negativo daquilo dentro de mim, e me entristecer, logo percebi que havia algo errado.
Covardemente ele começou a “mostrar” como se faz pra mim, no sentido de provar por A + B de que ele tocava com um grau de habilidade muito maior do que o meu.
Nesse momento eu percebi o que estava acontecendo. Ele se sentiu ameaçado, se sentiu inferior, e quis, por todas as formas possíveis e imagináveis me inferiorizar musicalmente naquela aula.
Saí de lá com um grau de desagrado do que tinha visto e ouvido tamanho que nunca mais quis ouvir sequer o nome da pessoa em questão. Foi muita covardia.
O que quero dizer com esse caso que contei a respeito de minha vida? De forma nenhuma venho fazer fofoca, pelo contrário quero apenas ajudar os que já passaram por situação semelhante.
O espírito que predomina para muitos é a idéia de que inevitavelmente se mantêm os privilégios que o talento traz a alguns que já estão estabelecidos e que oprimem todos os novatos que estão entrando.
Bastava você mostrar que tinha o mínimo de condições para tocar e encantar para ser rechaçado e condenado à negatividade. Infelizmente assim é o meio musical, muito tentam pelo embate do talento x esforço ofuscar a busca dos sonhadores.
Este espírito de porco dura até os dias de hoje, porém, com o advento da internet, e dos canais de música, com os inegáveis ganhos que isso trouxe à classe musical, muita coisa mudou nesse sentido embora não completamente.
O Advento da Internet
Hoje é comum as pessoas abrirem o jogo em suas aulas no YouTube, e em muitas outras oportunidades, isso simplesmente não existia há pouco tempo atrás. De fato, essa cultura é nova.
O que se depreende disso é que há um esforço de alguns para esconder o caminho das pedras, e todos nós que estamos querendo realizar o sonho, nos perdemos diante dessas barreiras e armadilhas estabelecidas.
Venho trazer boas notícias para com aqueles que se julgam marginalizados pelo mundo musical, aqueles que “aprenderam” por aí a fora que o talento é para poucos, e que não se pode ultrapassar a redoma que envolve as cartas marcadas do meio musical.
Se você já se deparou com uma situação semelhante, na qual alguém te transmitiu a idéia de que você não tem como conseguir vitória nessa jornada, é justamente o oposto que eu venho te transmitir.
O que acredito e defendo a unhas e dentes é que o esforço pode gerar talento, e que o esforço tem condições de vencer o talento, desde que empregado da maneira correta.
Uma Boa Notícia
Quebrando paradigmas que colocam a atividade musical como um mundo fechado para poucos, quero dar a boa notícia de que, não, a música é para todos.
Falo por experiência própria, eu tinha dificuldades que pareciam intransponíveis, e as venci uma a uma, e mais, falo pela experiência que tenho de muitos e muitos alunos que já passaram pelas minhas mãos, é possível vencer.
Uns vão demorar mais, outros menos, porém, todos, se esforçando ao máximo, conseguem em algum momento chegar lá. No sentido de que todos têm condições plenas de desenvolver as qualidades necessárias para se virar na música em geral.
Há determinadas qualidades que talvez, para alguns, não podem ser desenvolvidas da mesma maneira que para outros, como por exemplo o ouvido absoluto em sua essência.
O que defendo não é que todos chegarão, por exemplo, no ouvido absoluto, mas que o ouvido absoluto não é, em momento algum necessário para se alcançar uma eficiente execução musical.
Há determinadas facilidades que o ser humano possui que são qualidades importantes sim, porém, não essenciais, quero dizer que o exemplo do ouvido absoluto, bem como outras habilidades do tipo, não são necessárias ao músico que quer tocar bem.
Devemos ceder a palmatória àqueles que possuem o talento do ouvido absoluto, não nego o valor disso, porém, eu não o possuo, e isso não me faz falta em nenhuma medida para a plena execução musical.
Quero dizer que as qualidades necessárias para tocar bem um saxofone, são, independente dessas outras qualidades notórias e raras, plenamente passíveis de desenvolvimento e conquista.
Uns vão levar mais tempo, outros vão levar menos tempo, outros sem dúvida alguma já nasceram lá, porém, todos têm condições de lá chegar, desde que se esforcem o suficiente para tanto.
Sim, às vezes é preciso percorrer um caminho mais longo, mais trabalhoso, mais estreito, porém, uma vez percorrido os frutos são claros para todos. É assim que vejo.
Uma vez que há o sonho de tocar, acredito com todas as forças que todos podem atingi-lo, contanto que se esforcem o necessário para tanto e estejam dispostos a percorrer o que lhes cabe.
Reduzindo tudo isso a uma hipótese absurda, aquela de que a música é para poucos, a de que na disputa do talento x esforço, o primeiro prevalece sem mais, o que não observo como verdadeiro para ninguém, ainda assim, valeria o esforço.
Aproximar-se do sonho, o máximo que se puder, é melhor do que abortá-lo e viver em frustração e dúvida pelo resto de nossos dias. Sempre se tem a ganhar.
O objetivo deste artigo é abrir uma porta, quebrar paradigmas, e trazer à consciência a crença de que o sonho é possível.
É preciso acreditar e seguir em frente. Meu nome é Daniel Vissotto, professor de saxofone há mais de dez anos, conheça o meu trabalho.
Daniel Vissotto