Qual a direta relação entre notas longas e um som bonito de Sax? Fazer nota longa faz com que eu alcance um som bonito? Grande é a polêmica sobre o assunto, muitos defendem que notas longas sequer têm efeito sobre o som, outros as consagram como algo inevitável.
A resposta é: …
Sim ou não, dependendo de como você faz.
Não, se você fizer apenas por fazer, porque alguém mandou você fazer, ou porque ouviu em algum lugar que se o fizer terá um belo som, se fizer notas longas apenas por esses motivos, então não conseguirá aprimorar sua sonoridade.
Sim, se você fizer com objetivos definidos, porque sabe o que está fazendo, e tem consciência absoluta do que quer atingir, e como, por meio das notas longas; se fizer dessa forma, então irá melhorar sobremaneira o seu som.
O que Alunos Fazem de Forma Geral
Ao passar este exercício para meus alunos me preocupo muito se eles realmente o estão trabalhando, e mais, se o fazem da maneira correta. Não é possível fazer uma aula apenas com notas longas, por isso não exijo que o façam diante de mim todas as vezes nas aulas.
O que ocorre é que, ao perceber tal prática minha, muitos alunos simplesmente deixam de praticar notas longas e passam a se interessar apenas pelas músicas, ou pela digitação do sax, no sentido de querer tocar algo, e de forma rápida com várias notas.
Ninguém consegue impressionar no saxofone alguém com uma nota longa, isso é fato. De forma que, fazer uma nota longa correta não vai trazer os louros da glória para quem a realizar diante de um leigo.
Já não é o mesmo com uma música, ou um exercício executado de maneira rápida, pois quando o fazemos bem feito, temos a imediata apreciação e admiração de quem nos ouve, ou seja, a nota longa não tem esse mesmo efeito diante das pessoas.
Muitos saxofonistas iniciantes se preocupam muito em mostrar que possivelmente sabem tocar, ao invés de aprender a tocar de fato, o que é lamentável. A idéia é impressionar e impactar ao máximo quem ouve, por meio de algo que cause efeito.
Nesse quesito as notas longas não são a habilidade mais animadora, no sentido de que para muitos fazer uma nota longa bem feita, não tem nada de mais. Porém, de fato, a coisa não é bem assim embora para muitos possa parecer.
Ninguém consegue fazer duas notas seguidas bem feitas, se não consegue fazer uma nota sozinha bem feita. Ninguém consegue tocar uma melodia bem tocada, se não consegue fazer o básico, ou seja, tocar uma nota sozinha bem tocada.
O que ocorre com a maioria dos iniciantes, principalmente os que aprendem saxofone pela internet, é que ao se entreterem em tocar melodias a qualquer custo, mostrando o suposto serviço no saxofone para seus ouvintes, tocam tudo, mas tudo mal tocado.
O Resultado Prático Disso
Surgem saxofonistas que têm grandiosa habilidade em digitação, ouvido, capacidade de tocar, ler ou o que seja, porém, que não conseguem uma sonoridade agradável, não atingem um som envolvente, e muitas vezes sequer conseguem sustentar uma nota qualquer por muito tempo.
Não há nada mais inútil do que tocar notas longas por puro desencargo de consciência, sem ter condições de apontar o porquê de estar fazendo o que está fazendo, e nem mesmo ter a ciência do que quer atingir com isso.
Porém, tocar apenas músicas, ou exercícios impressionantes, com rápida digitação e com as notas corretas, entretanto, fazendo uso de uma sonoridade pobre e deficiente para tanto, é algo que não vai render muitos aplausos.
No começo é divertido, têm-se a sensação melódica das músicas, porém, após um determinado tempo, com o aumento da exigência de si para consigo mesmo, percebe-se que tocar apenas músicas, ou exercícios impressionantes, sem se preocupar com a sonoridade em si mesma, não nos conduz a uma grande distância no saxofone.
Por causa disso venho falar da importância do fundamento da sonoridade, como um estudo à parte, que deve ser levado a sério, e que é fundamental para todos os demais estudos que realizamos no saxofone. Como eu disse, se não se sabe tocar uma única nota de maneira decente, quem dirá, várias.
Os Objetivos das Notas Longas
Falando mais diretamente, quais seriam os objetivos a serem alcançados com o estudo de notas longas?
A formação ou a correção da embocadura, o desenvolvimento e manutenção da resistência dos músculos labiais e da face, a ampliação da capacidade pulmonar, o aumento da projeção sonora, o controle da coluna de ar (seja em pressão ou quantidade), a homogeneidade tímbrica do saxofone em todas as suas regiões, a correta afinação do saxofone, a modelagem tímbrica do som em direção a um objetivo definido.
Sem a consciência de todos esses fatores no momento em que fazemos notas longas, de nada adiantará fazer tal exercício, jamais devemos ser tolos o suficiente para fazermos esse exercício apenas de maneira protocolar, como quem bate um cartão.
Infelizmente, essa é a maneira como a maioria esmagadora dos estudantes de sax praticam as notas longas na esperança de conquistar, em algum momento, um belo som. Isso se praticarem, pois o que ocorre de fato é que nem a esse trabalho se dão.
Quanto Tempo Devemos Estudar Notas Longas
Não, não devemos gastar um longo tempo de nosso estudo diário com notas longas, apesar das notas longas serem chamadas de longas devem ser estudadas por um curto período de tempo, como um aquecimento do instrumento para o estudo de fato que virá, e não como o estudo em si mesmo.
Não, não devemos ocupar grandes períodos de tempo com notas longas no sentido de que podemos com isso até mesmo forçar demais nossa musculatura e vir até mesmo a nos machucar. O ideal é que façamos esses exercícios sim, porém, com pausas. Ao mínimo sinal de cansaço, dor ou tremor, parar e se refazer.
A meu ver, e diante da posição de inúmeros saxofonistas minimamente sérios, quem comprou um saxofone, e se dispôs a aprender esse instrumento, casou-se de maneira irrevogável com as notas longas, é um exercício que se faz desde o início até o mais elevado nível de especialização, tamanha a sua importância.
A Formação ou Correção da Embocadura
A formação correta da embocadura decorre do fato de que, ao fazermos notas longas estamos firmando a forma (no sentido de molde) da embocadura no embocar o saxofone. E não é possível produzir um belo som sem essa firmeza.
A embocadura não é força, pois não devemos apertar, morder, ou enrijecer os músculos da face, e sim resistência, pois devemos relaxar e manter os músculos como devem ser pelo período que precisamos tocar, no sentido de desenvolver a capacidade de manter a forma (o formato) da embocadura enquanto tocamos.
A Resistência e Manutenção da Musculatura da Face
Muitos saxofonistas, principalmente os iniciantes, tocam por curto período de tempo e já sentem dores, ou sofrem de tremores nos músculos da face, ou ainda, depois disso não conseguem mais evitar o escapar do ar pelas laterais da boca. Isso é corrigido com nota longa, no sentido de alcançar uma maior resistência no saxofone.
Como manter um timbre bonito se sequer conseguimos tocar uma música sem vir a perder a forma (molde) ou a forma (formato) da embocadura, se há uma irregularidade intrínseca a tudo isso no momento que tocamos? A resistência é algo que se desenvolve e se mantém, as notas longas são o meio de se desenvolver e manter a resistência da embocadura.
A Capacidade Pulmonar
A capacidade pulmonar é algo que precisa de algumas prerrogativas, a saber, primeiro de tudo fazer exercícios físicos, evitar a todo custo vícios como cigarro ou qualquer coisa que comprometa a função da respiração é algo pelo qual devemos prezar. Saxofone também é vida saudável.
Notas longas exigem do saxofonista a ampliação de sua capacidade pulmonar, devemos medir as notas longas que fazemos por meio das batidas de um metrônomo, no sentido de compreender o quanto estamos desenvolvendo e atingindo em termos de sustentação das notas. Trabalhar o aumento da duração das notas (sem exageros) é algo que devemos almejar.
Desenvolvendo a capacidade pulmonar teremos um aumento da projeção sonora, pelo direcionamento de uma maior quantidade de ar na emissão do som, quando buscamos essa projeção. Projeção aqui tem o sentido de amplitude sonora, ou seja, possibilidade de intensificar o som e de projetá-lo a uma maior distância.
A Projeção do Som
Muitos saxofonistas reclamam de que seu som não tem projeção, no sentido de que são facilmente encobertos por outros companheiros de naipe, ou ainda não conseguem atingir um grande número de pessoas com a sua sonoridade não amplificada. Notas longas, com a intensidade forte, são o meio de corrigir essa questão.
O Controle da Coluna de Ar
O controle da coluna de ar é essencial a todo saxofonista que quer se exprimir musicalmente de maneira plena. Precisamos conseguir tocar saxofone sem ofender os ouvidos de ninguém e ao mesmo tempo nos fazer ouvidos por todos, seja tocando dentro de um elevador, ou diante de um prédio de vinte andares.
Trabalhar notas longas com diferentes dinâmicas, é o meio de alcançar essa habilidade. Notas longas em meio forte, em crescente, em decrescente, e crescente/decrescente são exercícios essenciais para que o saxofonista tenha o absoluto controle da dinâmica do instrumento, no sentido de posteriormente conseguir produzir a expressão que desejar.
Neste caso trabalhamos a quantidade e a pressão do ar. Quantidade no sentido de intensificar ou suavizar o som, fazendo-o mais forte ou mais piano. E a pressão no sentido de conseguir controlar a constância devida a cada intensidade que desejamos externar no instrumento. O controle da coluna de ar é tudo no saxofone.
Podemos ter digitação das músicas mais complexas, podemos saber decorado os exercícios mais impressionantes e difíceis, porém, se não tivermos o devido controle da coluna de ar nada alcançaremos com tudo isso, instrumentos de sopro, em última instância são movidos a ar, sem ele nada funciona.
A Homogeneidade Tímbrica
A homogeneidade tímbrica é o primeiro passo para a produção de efeitos. Ninguém deve partir para a conquista de diferentes efeitos na sonoridade do sax sem ter passado pelo absoluto controle da homogeneidade tímbrica em todas as regiões do sax, em todas as situações musicais. Notas longas certamente te ajudarão nesse sentido.
A Afinação
Quanto à afinação, devemos ter em mente de que o ideal seria fazermos notas longas com uma nota de referência soando conjuntamente com o som do saxofone. Se não tivermos essa possibilidade, devemos pelo menos, afinar o saxofone consigo mesmo, por meio de notas longas em intervalos definidos.
Um trabalho prévio de percepção, tanto para o reconhecimento dos intervalos, sejam quais eles forem, é necessário, e principalmente também para a conquista da plena capacidade de identificação da tensão ou relaxamento de dois sons tocados em conjunto, no sentido de que, quando há dois sons brigando, há desafinação, e quando há apenas um som em meio a duas fontes sonoras, temos a plena afinação.
Aqui se torna necessária a observação de que afinação se dá no ouvido, por meio da audição, e não no conferir visualmente o ponteiro de um afinador qualquer diante de nossos olhos. Desnecessário é dizer que ninguém se apresenta musicalmente no saxofone com um afinador diante de si.
O Timbre
Por último ter muitas referências sonoras, falando em termos de timbre de saxofone, ouvir muitos saxofonistas, e moldar o timbre em meio ao exercício de notas longas. Isso é fundamental, pois sem isso não saberemos jamais o que é um belo som de saxofone, e não saberemos para onde estamos caminhando, de forma que tanto faz quanto fez o que estamos fazendo.
Acima de tudo esse estudo deve ter consistência, concentração e constância. Consistência no sentido de fazermos isso sempre de forma coerente com os princípios aqui expostos, concentração significando termos a ciência do que estamos fazendo com o que fazemos nesse exercício, e constância querendo dizer que devemos sim fazer pelo menos um pouco por dia, todos os dias.
Por isso no Curso Viva o Sax Básico dou tanta importância para este tipo de exercício de sonoridade, ao mesmo tempo que reforço a importância da musicalidade, no sentido de tocar músicas mesmo, ambas as coisas são importantes de serem feitas todos os dias no saxofone. Um saxofonista que começa bem, certamente atingirá os seus objetivos.
Com isso teremos significativa melhora de nosso som, um som bonito de saxofone não acontece por acaso, é fruto de esforço. Miles Davis tem uma frase muito interessante que afirma: “não se preocupe em tocar várias notas, antes ache uma só, bem bonita.”
Daniel Vissotto