Praticar harmônicos pode ser encarado como um exercício custoso para o saxofonista e para quem está ao seu redor, sejam parentes, amigos ou vizinhos.
Muitos nem praticam estes exercícios pelo simples fato de que não soam bem, parecem uma espécie de regressão, como se o saxofonista voltasse ao início do saxofone e começasse a errar as notas que dantes já dominava.
De fato, é exatamente assim que soam os exercícios de harmônicos no saxofone. Porém, se perguntarmos para qualquer saxofonista sério e bem sucedido, teremos a resposta direta de que os harmônicos são fundamentais para um belo timbre e uma precisa afinação, além de nos trazer controle para as notas super agudas.
Mas como isso se dá? Por que “errar as notas” traz um som melhor de saxofone, permite uma melhor afinação e também facilita a produção dos superagudos no saxofone? Muitos até mesmo praticam os exercícios, porém, ainda não possuem essa resposta.
É para esclarecer todos esses pontos que venho com este artigo trazer um pouco de luz sobre o assunto, tão negligenciado pela própria internet e que, tendo em vista sua importância, precisa ser mais bem contemplado e levado a sério.
O que é a Série Harmônica?
De nada adianta praticar a série harmônica nos saxofone se você não sabe para quê ela serve, e como deve ser praticada. Muitos o fazem por meio de técnicas erradas, até conseguem tirar as notas específicas, porém, tudo o que conseguem com isso são maus hábitos e vícios.
Por isso é preciso saber o que é a série harmônica, para que serve essa prática, qual o raciocínio que nos garante que teremos uma melhor afinação, um melhor domínio do timbre do saxofone, e também a facilitação da técnica dos super agudos.
Entendendo o raciocínio que há por detrás dessa prática estaremos com meio caminho andado para conseguir essas metas ditas no parágrafo anterior, depois disso, só o exercício diário, para desenvolvermos os músculos e os hábitos decorrentes disso que nos permitirão atingir o que desejamos.
Não tenho como cair em muitos pormenores num texto de mais ou menos dez minutos de leitura, por isso falarei de forma sucinta, e conforme o tempo for se estabelecendo vamos aprofundando o tema aos poucos.
Primeiro de tudo urge saber o que é a série harmônica. A série harmônica é um fenômeno que foi observado pelo filósofo Pitágoras no século VI antes de Cristo. Ao atentar para uma nota musical se percebeu que “dentro” dela soariam inúmeras outras notas de maneira quase imperceptível.
Toda onda sonora possui outras ondas dentro dela, há várias ondas sonoras acontecendo para que uma mesma onda sonora possa se dar, e a intensidade dessas ondas e a presença das mesmas varia de acordo com cada instrumento, ou a habilidade do instrumentista em questão.
Nada na natureza é fundamentalmente puro, assim como não há cores puras na natureza, e todas as cores estão misturadas em diversas colorações e ondas, o som não deixa de ser diferente, nele muitas ondas se misturam ao som fundamental, enriquecendo e produzindo assim a série harmônica.
Tendo em vista isso, Pitágoras percebeu que essa série de ondas sonoras não é aleatória, mas pré-definida, marcando aos poucos essas notas no seu monocórdio, Pitágoras registrou a série harmônica como ela se dava, e descobriu assim uma quantidade de intervalos e notas pré-definidas que produzem o fenômeno.
Sabendo que a série harmônica se dá assim posteriormente na história se conscientizou de que há uma relação matemática entre essas notas (a segunda é o dobro de Hertz da primeira, a terceira é o triplo de Hertz da primeira, a quarta o quádruplo, a quinta o quíntuplo, e assim por diante) define-se assim a série harmônica como ela se dá no saxofone.
Qual o Uso da Série Harmônica para o Sax
Tudo bem, compreendemos o que é a série harmônica e como ela se dá, e qual a relação matemática entre ela. Porém, ainda não sabemos o porquê de um instrumentista de saxofone ter de estudá-la no instrumento, qual a utilidade desse tipo de estudo.
Quando pegamos um instrumentista de instrumento de bucal e não de boquilha, como por exemplo o trompete, se faz óbvia o entendimento e a prática da série harmônica, afinal de contas ele tem de tirar todas as notas de seu instrumento apenas com três pistons, de forma que se não conhecesse meio de tirar mais de uma nota com uma só posição jamais teria a escala como a conhecemos.
Porém, o saxofonista, inicialmente não percebe essa necessidade. Há uma idéia de que tocar saxofone é apenas encontrar o chaveamento certo, e assoprar da forma certa, isso faria com que as notas saíssem perfeitamente do instrumento como que num passe de mágica.
A realidade está muito distante disso, o saxofone tem sim um trabalho todo relacionado à posição da língua, da glote, da faringe, da garganta, do palato mole, até mesmo a maneira de direcionar a coluna de ar, e também da própria embocadura no instrumento enquanto tocamos as diferentes notas em diferentes regiões do saxofone.
O que ocorre com muitos saxofonistas é que, não percebendo a riqueza desse universo que há por detrás do som do saxofone, acabam por produzir um som pequeno no sax, pouco envolvente, pobre e até mesmo desafinado.
Isso porque ele não sabe trazer à luz a presença de muitos harmônicos numa só nota, enriquecendo a mesma, e tornando o timbre do sax mais belo, mais cheio, mais gordo, enfim, incrementando-o, e muitas das vezes sequer tem noção de como corrigir os seus problemas de afinação.
Logo, vem por conta disso a engessar sua maneira de tocar, ou ainda variá-la de maneira aleatória, o que faz com que a desafinação comece a surgir em muitos momentos, e mais, não tendo a habilidade de produzir mais de um som com um mesmo chaveamento, não tem controle sobre os sons super agudos.
O Mundo por detrás do Som do Sax
É justamente para quebrar essa impressão de que o saxofone se resume a dedo mexendo e boca assoprando pura e simplesmente que surgem os exercícios da série harmônica. Ou seja, para que você possa encontrar numa só nota as demais notas que a enriquecem, possa isolá-las, e entender o que faz com que elas venham à luz, e assim possa incrementar seu timbre.
O saxofone é cônico, não é cilíndrico como o clarinete, sendo cônico algo tem de acompanhar essa conicidade do instrumento uma vez que ele vai se tornando cada vez mais largo à medida que o seu tubo vai se fechando e caminhando para os graves, e vice-versa, cada vez mais estreito à medida que vai se abrindo e indo para os agudos.
Quando fazemos o estudo da série harmônica a partir das notas mais graves do saxofone (pois quanto mais grave a nota, mais fácil é de produzir a série harmônica, e quanto mais grave o instrumento – por exemplo o sax barítono – mais fácil de produzir harmônicos) estamos na verdade nos forçando a descobrir fatores como os chamados voicings, as nuanças de embocadura e a coluna de ar correta para essas notas.
Aqui é importante saber o seguinte, principalmente nos primeiros harmônicos, não devemos forçar e espremer a boca, mexer a mandíbula, morder a boquilha para arrancar à força as notas da série harmônica, pelo contrário, o exercício feito de maneira correta é aquele que consegue, de maneira natural, pela predominância do voicing apenas promover as notas harmônicas.
No caso daqueles que espremem a boquilha, mexem de maneira acentuada o maxilar, apertam etc. para forçar a produção das notas da série harmônica, estão de fato adquirindo apenas maus hábitos no saxofone, ao invés de trabalhar de fato o que deve ser trabalhado, a saber, os voicings, a coluna de ar e a embocadura correta.
As Notas dos Harmônicos
Dessa maneira compreendemos que as notas harmônicas produzidas a partir da nota fundamental grave, possuem mais harmônicos do que as notas produzidas a partir do chaveamento real do saxofone, são mais ricas, possuem timbres diferentes, e incrementados.
Para emitir tais notas harmônicas, necessitamos promover uma certa forma de voicing atrás da embocadura, uma projeção específica da coluna de ar, e também uma mudança muitíssimo sutil da embocadura, como essas notas estão espalhadas por todas as regiões do sax, estamos assim, nos forçando a treinar essas mudanças em todas as regiões do instrumento.
Isso porque as notas produzidas pela série harmônica de um si bemol grave, por exemplo, são produzidas exclusivamente pelo instrumentista, sem o auxílio do chaveamento, de forma que o saxofonista é forçado a enriquecer a forma, o molde de sua garganta etc. o controle de sua coluna de ar, e também o conhecimento das sutis mudanças de embocadura necessárias para os harmônicos mais agudos.
Fazendo isso, e trazendo todo esse trabalho de produção sonora para as notas reais do saxofone, ou seja, os chaveamentos tradicionais, que não harmônicos propriamente ditos, temos que estaríamos enriquecendo o timbre de nosso instrumento, pois tais alterações não apenas enriquecem como dão maiores possibilidades de alteração tímbrica no saxofone.
Essas variações também promovem mudanças de afinação, de forma que o saxofonista desenvolve, com esses exercícios um conhecimento muito grande das técnicas de como produzir uma nota mais alta ou mais baixa, o que facilita o trabalho de correção da afinação do instrumento para quem tem uma percepção aguçada.
Por fim, o simples fato de estarmos tirando várias notas diferentes, a partir de um mesmo chaveamento, nos traz a habilidade de conseguirmos controlar as notas super agudas, que dependem muito menos do chaveamento, e muito mais de técnicas de embocadura, voicing e também coluna de ar, tudo isso foi desenvolvido no estudo dos harmônicos.
Embora o voicing dos super agudos, a meu ver, seja diferente do voicing das notas da série harmônica, sabemos que o instrumentista que detém grande controle das funções detalhadas de sua embocadura, das alterações milimétricas de seus voicings, e também o controle da coluna de ar e de seu emprego em cada região do sax, certamente terá maior facilidade para produzir as notas super agudas no saxofone.
Por isso, e somente por isso, é tão importante estudar a série harmônica, pelo fato de que o saxofone é muito mais do que dedos mexendo, e boca assoprando. Há todo um universo por detrás do som do saxofone, que não começa na boquilha propriamente dita, mas no próprio saxofonista e na maneira como ele controla o seu som em todos os fatores que o englobam.
Quando Praticar Harmônicos?
Tenho para mim que o exercício dos harmônicos é algo de fundamental para o saxofonista, e que ele deve começar a praticá-lo desde cedo para poder dominar principalmente o timbre e a riqueza do som do sax, especialmente nas regiões agudas do instrumento e também nos superagudos.
Não é um estudo que se dá em pouco tempo, há a necessidade de prática diária do saxofonista nesse estudo, desde o mais tenro momento de seu ensinamento, desde que conhecedor da série harmônica e capaz de identificar as notas da mesma e reproduzi-las minimamente.
Fazendo assim, haverá um incremento substancial do timbre do saxofonista, este exercício de sonoridade certamente fará diferença a longo prazo e o saxofonista, desenvolvendo sua percepção poderá tocar mais afinado, e também terá maior controle das notas super agudas.
Para isso servem os exercícios da série harmônica, ou seja, são fundamentais para todo instrumentista para o pleno conhecimento de seu instrumento, e também do mecanismo da produção do som mágico do fantástico saxofone como o conhecemos.
Para aqueles que pretendem se aprofundar mais no assunto, recomendo aulas diretas com o foco na série harmônica, conheça as condições e marque algumas aulas para esclarecer este tema pessoalmente com o professor.
Daniel Vissotto