Vigário vem do latim vicarius que significa, na expressão da igreja, aquele que toma o lugar do pároco, do padre, do bispo, do papa, ou ainda, até mesmo do próprio Deus.
Na linguagem popular surge a expressão “conto do vigário” no qual alguém se faz passar por algo ou alguém que não é, vindo ilegitimamente, a o representar como numa farsa.
Daí vem a palavra vigarista, ou seja, alguém que burla outras pessoas, inventando histórias mentirosas que são mais conhecidas como contos do vigário para atraí-las e até mesmo tomar o seu dinheiro.
A internet, sendo um espaço aberto à fala de tudo e todos, pessoas de todo tipo, com todos os tipos de intenção, é um meio propenso aos contos do vigário em todos os sentidos.
Falemos um pouco sobre esses contos do vigário do sax que aparecem por todos os lados nesse meio de comunicação, os quais você com certeza já teve acesso em algum momento de sua jornada.
O Saxofone é Fácil?
O primeiro deles é o de que o saxofone é um instrumento fácil de se aprender. Não querendo jogar um balde de água fria nas pessoas que estão interessadas em aprender saxofone, a verdade é que nenhum instrumento musical é fácil de se aprender.
De forma que tocar de qualquer jeito qualquer um toca, porém, tocar com o frisson do sax, o encanto, a magia do sax, aquela que enfeitiça quem ouve, e que encanta a qualquer um, isso é bem diferente de tocar de qualquer jeito, e isso não é fácil de forma alguma.
O nível no saxofone se alcança com superação, dificuldade e trabalho, dizer que o mundo do sax é um mundo de oba oba, no qual tudo é belo e maravilhoso e que não encontraremos nenhuma espécie de dificuldade é uma falsidade.
Sim, o mundo do sax tem seus encantos e certamente nos conduz a águas tranquilas, mesmo porque, se não fosse assim, ninguém se enveredaria por esse caminho. No entanto, nem tudo o que há ali são flores, prazer e alegria; há obstáculos a serem vencidos, de forma que precisamos ter consciência disso para poder progredir nessa jornada.
Toda conquista humana engloba a dificuldade, não fosse assim nem seria considerada uma conquista, e nem teria valor. O valor de se tocar saxofone advém, principalmente, da superação de todas as dificuldades que estão englobadas nesse caminho.
E eu digo com a certeza e a experiência de quem já está há mais de trinta anos nessa busca, que vale a pena, cada gota de suor, cada dificuldade superada, vale a recompensa de conseguir se expressar com a voz mágica desse instrumento, de forma que devemos sim seguir em frente.
O Aprendizado do Saxofone é da Noite para o Dia?
Outro conto do vigário muito comum no universo do saxofone, é o de que você vai aprender da noite para o dia a tocar como um profissional (este que por sinal, estudou sua vida inteira o saxofone).
Não, não é preciso estudar a vida inteira o saxofone para poder tocar bem, mesmo porquê, e poucas pessoas falam sobre isso na internet, a linguagem musical do ocidente tem um limite, que eu chamo de limite do compreensível ao homem comum.
A música no ocidente vai até um certo ponto, e até esse ponto todos compreendem perfeitamente o que está acontecendo, depois desse ponto, a música começa a se transformar em música para músicos, o que já não é mais compreensível para o leigo.
A diferença entre um grandioso instrumentista profissional e um instrumentista mediano amador não é tão grande para o leigo assim como se pode pensar, pois a linguagem que o homem comum compreende a música não é o que podemos chamar de vasta propriamente falando.
Quando se fala de música para músicos, aquilo que atinge uma nata do meio musical, a coisa se modifica, se transforma em algo mais amplo e difícil de ser atingido, de forma que, se você quer falar essa linguagem, definitivamente isso vai levar longo período de tempo para ser alcançado, porém, se você quer falar a linguagem comum da música, que atinge a todos, isso, apesar de levar tempo, não leva uma vida inteira, ou seja, está ao alcance de todos.
Feita essa ressalva muito importante, devemos saber também que não é da noite para o dia que se domina a música e o saxofone em si. O tempo não é o único fator de definição do músico, há músicos com muito tempo de sax que ainda não encontraram uma sonoridade bela, mesmo porquê cada um tem o seu momento.
Porém, o tempo, sem dúvida alguma, é um dos fatores que estão incluídos nessa jornada, todos aqueles que encontraram uma sonoridade, um fraseado, e uma execução interessante e mágica no saxofone, passaram longo período de tempo se dedicando a isso.
De forma que o nível no saxofone é sim sinônimo de grande dedicação e tempo de estudo, regularidade e disciplina são fundamentais para a conquista disso tudo, não podemos acreditar que apenas colocando a boca certinha, e mexendo os dedos certinho, e apertando determinado botão, vamos sair por aí tocando como profissionais.
Não há necessidade de Teoria e nem Partitura?
O terceiro conto do vigário é aquele que apela sem medo para a preguiça humana como fonte de virtude, numa inversão direta de valores. Ou seja, pegam o que há de pior na humanidade, e transformam isso em algo de bom.
Coisas como “aprendam sem teoria e nem partitura” começam a surgir por todos os lados na internet, como se essa fosse uma opção moderna e revolucionária de se aprender o saxofone, um jeito novo que veio para ficar e para substituir toda a suposta “burrice” anterior.
Afinal de contas aprender com teoria e partitura demanda esforço de pensamento, e capacidade intelectiva de abstração, e as pessoas não têm muita paciência para esse tipo de atividade mental, preferem, “encurtar” o caminho e aprender diretamente a prática sem dar asas à faculdade do pensamento tão presente e tão importante para o ser humano.
Aristóteles dizia que o homem é um animal racional, e que o que separa um homem de uma vaca no campo é a faculdade de produzir o logos. De forma que, se temos o logos (que pode se traduzido de alguma forma como “pensamento e raciocínio” entre outras traduções), por que não vamos usá-lo a nosso favor?
Não podemos subestimar a nós mesmos e nem a ninguém, não podemos nos limitar a descartar uma faculdade mental que nos ajudará em tudo no aprendizado musical. Todos temos plena capacidade de compreender o que é o inteiro, a metade, o um terço, conceitos matemáticos presentes na faculdade da leitura musical.
Podar esse tipo de conhecimento de um aluno é o mesmo que jogar a criança juntamente com a água suja fora, depois de dar banho em um bebê. Isso decorre do fato de que muitos têm dificuldade de explicar a partitura e a teoria musical, daí o fato de muitos terem dificuldade de aprender.
Mas nem por isso devemos dispensar completamente a leitura e a teoria musical como algo de inútil, apelando para a preguiça humana como se isso fosse uma virtude, esse caminho é algo muito comum por aí a fora, porém, isso nunca passou de um engodo, uma inversão de valores.
Não entrarei no mérito do quão importante é a teoria e a leitura musical para o músico, do quanto isso vai abrir portas pra você em todos os sentidos na sua vida musical, e de como isso é tranquilo de ser obtido na música se a esse conhecimento não oferecermos resistência de forma alguma.
Na minha concepção a música deve ser aprendida em sua inteireza, devemos ser seres humanos, dignos do logos que nos foi dado, para tocarmos e termos consciência plena do que estamos fazendo, e não sairmos por aí procurando fazer a coisa como papagaios.
Lembrando sempre que a impossibilidade de aprender é uma coisa, muitos tocam sem partitura e teoria porque não tiveram a possibilidade de aprender isso. Porém, aqueles que têm essa possibilidade e negam, estes estão cometendo um monstruoso equívoco na minha concepção.
Há Necessidade de um Setup Caríssimo?
O próximo conto do vigário é o de que um setup caríssimo e famoso resolverá todos os seus problemas no saxofone. Ledo engano, quem faz o som do saxofone é o saxofonista, e não o seu saxofone, o setup ajuda o saxofonista, facilita a produção sonora do som que o saxofonista já tem, se o saxofonistas não têm esse som, o setup nada pode fazer.
Não há necessidade de se comprar o melhor setup (mesmo porque isso é relativo a cada um), para conseguir tocar saxofone, aprender saxofone, e mais, produzir o som mágico do sax. O que há necessidade sim é de estudar muito, com muita regularidade, com muita dedicação e esforço, e assim, alcançar uma habilidade que está no músico e não no instrumento, de produzir o som mágico do sax.
Muitos por aí a fora oferecem saxofones e principalmente boquilhas de saxofone como verdadeiros salvadores da pátria, como se fosse simplesmente trocar a peça do saxofone, e ter todos os problemas resolvidos sem nenhum esforço ou trabalho. Sinto em dizer, a coisa não é assim, infelizmente.
Mas Qualquer Sax Resolve?
Outro conto do vigário que se ouve muito por aí a fora é o de que qualquer instrumento, ainda que cheio de vazamentos, ou de qualquer marca que seja, serve para o músico se desenvolver no saxofone. Este conto está para o anterior como o extremo oposto.
Não é qualquer saxofone que vai resolver o seu problema de aprendizado de sax. Hoje em dia, há inúmeras marcas de sax, saxofones cuja fabricação nem sabemos como é feita, com valores irrisórios ou ainda nem tanto. E que são vendidos como a solução máxima de todos os problemas do saxofonista iniciante.
O que eu quero dizer é que há instrumentos e instrumentos por aí, e a diferença geralmente é gritante entre eles. De forma que o iniciante já tem uma dificuldade inicial com o instrumento própria dele mesmo, pois é um iniciante, se essa dificuldade vem a se somar com um instrumento ruim, cheio de vazamentos, desregulado, desafinado etc. o aprendizado do sax se torna quase que impossível.
É muito confortável ouvir que qualquer instrumento serve, principalmente num país onde temos pouco poder aquisitivo e onde os instrumentos são tão caros. Porém, infelizmente, não posso falar isso como uma verdade, pois de fato, não é.
O Currículo ou o Setup Mede o Músico?
Embora hajam mais contos do vigário por aí a fora, tentei abordar os mais importantes aqui neste texto. E como último conto do vigário que venho desmascarar aqui, vemos aquele que diz que os músicos são medidos por seu currículo, ou a escola onde estudou, ou ainda, o que é pior, o setup que possui.
O currículo diz muito pouco sobre o músico que temos diante de nós, principalmente porque ele pode estar num outro momento, a escola onde estudou tampouco afirma algo sobre o músico em questão, principalmente num país onde o ensino musical é tão pouco levado a sério, e falo isso com a propriedade de quem estudou em várias escolas famosas por aí a fora.
Por fim, o que me parece mais uma piada, é medir o músico pelo seu setup: “ele tem um MARK VI? Logo, ele toca muito bem!” De forma alguma podemos pensar assim, há músicos ótimos que não tocam em saxofones bons, e há músicos terríveis que têm grandes setups. De forma que uma coisa nada tem a ver com outra.
Se você quer começar no saxofone e não sabe por onde, está perdido em meio à selva da internet, em meio a mentiras e verdades, e procura um curso de saxofone confiável, eu recomendo fortemente que dê uma olhada no Curso Viva o Sax Básico, um curso divertido e eficaz que certamente vai mudar sua concepção a respeito de cursos online de saxofone.
Há uma frase do budismo que diz que há três coisas que não podem ser escondidas da humanidade, a saber, o sol, a lua e a verdade. Os contos do vigário do sax são facilmente percebidos quando os expostos à luz.
Daniel Vissotto