Muitos decidem aprender sax sozinho, o saxofone não é um instrumento rítmico, e muito menos harmônico, ele é um instrumento melódico. De sorte que para o saxofonista a melodia é o primeiro passo a ser compreendido, o raciocínio inicial do saxofonista é sempre inicialmente horizontal (uma nota depois da outra).
Depois de muitos anos dando aulas de saxofone descobri que uma grande parte dos estudantes aprende sax sozinho, pratica sozinho e toca sozinho em todo o tempo, de forma que perde a referência rítmica, a referência de afinação, e é prejudicado em toda sorte de percepção.
O Vício de se Tocar Ad Libitum
Muitos e muitos dentre os aprendizes tocam o saxofone eternamente em ad libitum, ou seja, com o andamento de acordo com a vontade. Há controvérsias sobre o termo e uma grande confusão da parte de muitos deste termo com o tempo rubato.
A definição de ambos os termos para muitos é nebulosa, mas podemos fazer uma diferenciação entre o rubato e o ad libitum para podermos entender melhor o que quero dizer nesta mensagem a todos. Aprender sax sozinho não é fácil, e guarda os seus riscos.
O Rubato
Rubato vem de “roubar”, roubar de uma nota para dar para outra, e assim acabar compensando no final. Ad libitum vem de tocar “ao sabor da vontade”, pode se referir ao ritmo, às repetições, à possibilidade de tocar ou não pura e simplesmente, etc.
O rubato é mais o ou menos o que acontecia nas obras de Chopin, em que a mão esquerda tocava com ritmo definido, e a mão direita tocava livremente em rubato, o termo que, como visto, vem de roubar, literalmente.
Roubar de uma nota e dar para outra, acrescentar tempo a uma nota e compensar tirando de outra, e assim por diante, o rubato preserva o andamento geral da música, apesar de haver uma grande liberdade rítmica na particularidade das notas.
O Ad Libitum
Embora muitos venham a se confundir, o ad libitum é um efeito diferente, ele não preserva andamento e nem mesmo a divisão original das notas, ele se dá em grande liberdade rítmica, independente do que vai ao redor.
O iniciante que decide aprender sax sozinho acaba por praticar suas músicas quase que totalmente em ad libitum, ou seja, não se importando em nada com o andamento e muito menos com a divisão das notas, desde que a música seja reconhecida.
Nem o rubato e nem o ad libitum são efeitos errados da música, pelo contrário, são válidos e muito utilizados, que o diga Chopin e Shubbert, que utilizavam vastamente o recurso. Considero até que são efeitos lindíssimos da música em geral.
O Vício Rítmico de Quem Decide Aprender Sax Sozinho
Porém, quando não conseguimos valorizar a divisão rítmica e nem tampouco o andamento, ou seja, fazendo em primeiro plano um rubato, ou ainda um ad libitum eterno, o que ocorre é que, ao invés de termos aqui um recurso musical, temos um vício.
Muitos que aprendem a tocar saxofone sozinho passam anos e anos tocando em ad libitum suas músicas, um rubato exagerado que praticamente não respeita nada em termos de ritmo, essas pessoas com o tempo vão perdendo a referência rítmica e passam a só saber tocar dessa maneira.
Isso se torna um hábito enraizado, uma modus operandi de tocar que não guarda alternativa, de forma que o músico simplesmente não consegue mais tocar no andamento, e muito menos tocar como está escrito de maneira própria.
É importante de se notar que vícios são hábitos, maus hábitos desenvolvidos com o tempo, e que para vencê-los é necessário o desenvolvimento de outros hábitos, bons hábitos, ou seja, virtudes, que nos libertem dos vícios estabelecidos anteriormente.
Como Transformar o Vício em uma Virtude
Se você é um desses que desenvolveu o hábito de tocar em rubato, ou em ad libitum, ou ainda uma mistura de ambos, comece a forçar a percepção rítmica em primeiro plano, forçando aos poucos a compreensão racional do ritmo, e posterior prática com referência rítmica externa.
Perder a altura das notas é problema menos grave do que perder a referência rítmica, tudo tem recuperação, porém, não podemos alimentar ainda mais o que já está errado, precisamos voltar a nos educar para conseguir nos libertar desse vício.
Não é algo que vai acontecer da noite para o dia, por ser um vício, tem de ser vencido por outro hábito, e hábitos não são atos, mas atitudes que se dão repetidamente ao longo do tempo, só assim, ao longo de algum tempo, conseguiremos vencer os vícios e transformá-los em virtudes.
A Afinação de Quem Quer Aprender Sax Sozinho
Outra questão gravíssima dos estudantes de saxofone que estudam sozinhos, é o desprezo com a afinação. Simplesmente tocam tudo desafinado, às vezes com desafinação aparente e desigual, às vezes, o que é mais notório, com a afinação igualitária, porém, tudo desafinado.
Muitas vezes tive contato com estudantes que chegam pra mim com a afinação quase que meio tom abaixo, e que nunca perceberam tal coisa. Você pede um G, e eles dão F#, apesar de estar com o chaveamento correto soam quase que meio tom abaixo.
Aqui uma ressalva, estudantes em fase muito iniciante, não devem se preocupar com afinação, pois para tanto é preciso em primeiro plano conseguir estabilizar suas notas no saxofone, estabilizando o som de maneira aceitável aí é interessante começar a falar sobre afinação.
Porém, depois de um determinado nível, é preciso começar a se importar avidamente com afinação, não se toca nada satisfatoriamente no saxofone, sem a afinação correta, ninguém se agrada de um saxofonista se ele toca desafinado.
Aconselho para que saibamos mais sobre afinação a leitura deste artigo, um artigo muito franco que escrevi sobre o assunto e que certamente vai te ajudar a encontrar o caminho para um som afinado no saxofone. O link aqui está: CLIQUE AQUI.
Estes São Problemas de quem Aprende Sax Sozinho
Todos estes são problemas de quem toca muito sozinho, é preciso começar a forçar tocar com o metrônomo, não há problema em tocar sozinho, o problema está em tocar somente sozinho. Por isso falo de forçar tocar com o metrônomo, pois ele será a sua companhia mais próxima em termos de pulsação.
Depois do metrônomo, é preciso tocar com o playback, e com o playback já principiará a questão da afinação em conjunto com a questão rítmica. É preciso prezar pela afinação para tocar com um playback e isso se desenvolve aos poucos, porém, se nunca faz, nunca aprende.
Forçar o ritmo, forçar a afinação, isso é importante, tocar sozinho como se estivesse tocando em conjunto, não perder oportunidades de tocar com outras pessoas, acostumar-se aos poucos a tocar com outros músicos.
Há uma coisa nos músicos que não está presente nem no playback e nem no metrônomo, a saber, o diálogo. Músicos que tocam dialogam, não podemos ser músicos surdos ritmicamente, e muito menos em termos de afinação, e por último devemos dialogar.
Aprender a dialogar, fazer menção de algo que já aconteceu na música, confirmar uma frase de alguém que improvisou antes de nós, pegar o motivo anterior e desenvolvê-lo, conseguir dialogar com frases pertinentes dentro do solo de quem está em primeiro plano. Tudo isso e muito mais é dialogar.
Muitas das vezes, a dificuldade de percepção, de localização de ambientação musical do aprendiz se dá pelo simples fato de que acostumou-se a tocar sozinho, e o que é pior, acostumou-se a tocar ad libitum, ou rubato, ou desafinado, ou ainda uma mistura disso tudo.
É Necessário Tocar com Outras Referências
A percepção se aguça no momento que começamos a tocar em conjunto, pois ela nos é exigida neste momento, tanto para a rítmica, quanto para a afinação e também para o diálogo musical entre os músicos do grupo em questão.
Não que não seja possível aprender a tocar sozinho, porém, cuidados devem ser tomados, como jamais perder a referência rítmica externa e interna, ou seja, aprender a tocar com ritmo definido tanto quanto em rubato ou ad libitum.
Forçar a presença do metrônomo, nunca desistir do playback, nunca caminhar para o caminho mais fácil e fazer somente o que domina, a saber, tocar sem ritmo definido, é preciso desenvolver a técnica de tocar com ritmo, e mais, a técnica de tocar afinado.
Trabalhar a percepção, trabalhar a capacidade de se concentrar em várias coisas ao mesmo tempo, separando-as, treinando-as em separado, e unindo-as aos poucos. No sentido de primeiro ler (solfejar) depois tocar (ler a partitura no instrumento), só esta pequena separação vai te ajudar a economizar muito tempo.
Imagine quando conseguir separar a leitura e todas as suas camadas em diversos aspectos que lhe cabem, a ponto de dominá-los e aos poucos ir acrescentando-os uns aos outros, fazendo com que tudo venha a se tornar um grande todo.
É assim que a gente dá um pontapé para a virtude de se tocar tanto sem ritmo definido, quanto com uma grande rigorosidade rítmica. Para que serve a rigorosidade rítmica? Tanto para entender rapidamente uma melodia, quanto para tocar em conjunto com grandes formações por exemplo.
Ler arranjos, tocar em naipe de saxofones tudo o que exige do instrumentista o tocar em conjunto, tocar afinado, tocar no ritmo, e tocar de maneira a expressar uma convenção em congruência com outros instrumentistas.
Para você que aprende saxofone sozinho e tem dificuldades rítmicas, aconselho aulas particulares online com o professor, é preciso saber o caminho para que possamos nos desenvolver perfeitamente em todos os aspectos da música.
Um professor bem preparado pode ajudar nesse sentido, de quebrar vícios, e construir virtudes musicais. Sempre é possível corrigir, uns mais rápido outros menos, porém, todos podem chegar lá.
Daniel Vissotto