Evoluir no saxofone é algo que todos queremos, mas qual a principal característica que precisamos ter para conseguir evoluir? Sem dúvida alguma não é uma técnica misteriosa que venho revelar, mas uma coisa muito importante desprezada por muitos, aquilo que chamo de resiliência.
A resiliência para o saxofonista aprendiz é fundamental, aliás, essa característica é fundamental para quem quer que queira evoluir na música ou na vida, em qualquer projeto que se ponha a desenvolver.
Qual a definição de resiliência, essa palavra, relativamente estranha para alguns, que eu venho a usar neste momento no texto que proponho a você? A saber, resiliência é a capacidade de se adaptar às mudanças da vida, ou até mesmo à má-sorte que venha nos ocorrer em alguns momentos.
Uma História Real
Certa feita, estava num dos meus melhores momentos na música, havia conquistado bons holofotes para minha arte, muitos me admiravam por todos os lados, e eu me sentia forte e poderoso em meio ao que estava fazendo, porém, não esperava o que poderia vir a acontecer comigo.
Eu fui acometido por uma doença grave, independente de qual a doença que eu tive, coisa que não quero revelar, o fato é que fiquei doente e tive de parar por muito tempo, sequer consegui dar conta de mim mesmo nesse momento, e por conta disso minha carreira musical teve de dar um tempo.
Às vezes é interessante saber como as coisas acontecem, talvez para que venhamos a ser mais humildes, as coisas acontecem pra nós dessa forma, ou seja, somos levados a enfrentar dificuldades que dantes não conhecíamos, Deus escreve certo por linhas tortas.
Porém, aos poucos eu fui retornando à vida, fui melhorando, e as coisas voltaram a se clarear pra mim, de forma que a doença deixou de ser um problema por conta de minha recuperação. E eu senti, novamente, vontade de viver o saxofone.
Como é difícil parar, e depois voltar, voltar atrás, voltar como se não soubesse aquilo que já sabia, ter de recuperar o tempo perdido, voltar sem que ninguém te incentive, voltar aos poucos, com dificuldade, gradativamente, não de uma hora pra outra, mas voltar aos poucos, isso é muito difícil.
A vida havia mudado, muitas pessoas não compreenderam o que tinha passado nesse meio tempo, se há uma característica comum das pessoas é a incompreensão, todos ao nosso redor compreendem muito bem o sucesso, querem se aliar a ele, porém, quando somos acometidos de algo difícil, a incompreensão é plena, e muitos se afastam.
Um Parêntesis sobre a Vida Artística
A vida artística guarda uma grande lição por detrás de si, a fama passa como vento, a fama vem da mesma forma que se vai, e nada fica para quem está lá. É preciso ser o mesmo do começo ao fim, ter o mesmo propósito sempre, ser firme, ser decidido, ser claro no que se quer.
Muitos não sabem disso, muitos se iludem com a fama e pensam que ela é eterna, caminham apoiados em nuvens que certamente os abandonarão em algum momento, mesmo porquê por detrás da fama há um ser humano como qualquer outro, com dificuldades como quaisquer outros, que não pode se avolumar e pensar que é algo a mais do que ninguém.
Nesse momento de recuperação tudo se foi, o reconhecimento, as pessoas, os amigos, tudo. Sobraram eu, uma ou duas pessoas mais próximas, se é que posso chamar assim, e muita, mas muita incompreensão da parte de todos.
A fama se vai, a juventude passa, tudo passa, mas nós, que temos um propósito, e que sabemos o que queremos de fato, e que temos o que chamo de resiliência conseguimos permanecer, e seguir em frente, sem medo, dentro daquilo que nos propomos a construir.
A Resiliência
Mais uma vez eu tive de recorrer à resiliência, à capacidade de se adaptar, de resistir, de retornar à posição inicial e voltar a produzir, é isso que é importante para o saxofonista, sem isso, não importa quantas técnicas tiver, não haverá evolução.
Eu poderia desistir de tudo, mas me lembrei de minha essência, eu sou um saxofonista, é o que eu sempre fiz, é o que eu sempre quis fazer. E decidi insistir nessa tecla, e muitas coisas contribuíram para que eu pudesse me reerguer, mas nenhuma delas foi mais forte do que o que eu chamo de resiliência.
Quando um objeto é deformado por um impacto muito grande, e ele volta a assumir sua forma anterior, isso é resiliência. Quantas vezes isso não aconteceu comigo na minha jornada, quantas vezes não fui acometido de impactos da vida e consegui, de forma quase que milagrosa, voltar à minha condição anterior?
É disso que precisamos para crescer no sax, não de técnicas mil que são importantes também, porém, sem essa qualidade, a saber, a resiliência jamais conseguiremos crescer nos saxofone da maneira como desejamos e precisamos.
Não Somos os Únicos Agentes da Vida
Independente dessa história, que pode ser útil para muitos, o aprendiz de sax tem de saber que o estudo do saxofone requer resiliência. A vida possui inúmeros fatores, acho engraçado quando as pessoas confiam em si mesmas para conseguir as coisas, como se detivessem o domínio do mundo ao redor e fossem as únicas capazes de fazer as coisas acontecerem.
Há tantas coisas que nos fogem ao domínio, acho tão falsa a condição de quem nega tudo ao redor e coloca-se a si mesmo como único responsável por seu sucesso ou o contrário. Ninguém está sozinho no mundo, o mundo se dá numa confluência de fatores que nos fogem ao domínio, e o eu é apenas um dentre esses inúmeros fatores, na verdade um dos menores deles.
Devemos ter consciência de que a vida é cheia de acidentes. Porém, se não nos decidirmos por algo, e não levarmos isso a cabo, jamais conseguiremos construir nada na vida, isso em qualquer área que nos propormos a construir ou desenvolver.
O saxofone não é diferente, há a necessidade de determinação para quem decide pelo sax, pois dificuldades com o sax, e não só com o sax, mas com a vida, serão comuns no nosso dia a dia. É interessante de se notar como as pessoas se deixam levar por coisas pequenas, ou até mesmo grandes, em alguns momentos e se perdem em meio aos seus objetivos iniciais.
É preciso ter a capacidade de, independente de tudo, conseguir seguir em frente naquilo que fazemos, adaptar-se às mudanças que a vida nos propõe, seja dentro do estudo do sax, ou fora dele, ter a qualidade de olhar pra frente, seguir em frente, e priorizar certas coisas que nos são importantes.
Quando eu passei por dificuldades, muitas foram as vozes para que eu mudasse de profissão, prestasse um concurso público, viesse a desistir sem mais. Pessoas próximas, pessoas de suposta confiança vieram com essa qualidade de discurso.
Mas com a ajuda de Deus, principalmente, eu consegui seguir em frente, e manter o sax vivo. Ter uma linha de raciocínio na vida é fundamental para que possamos nos entender e nos respeitar. Há quem mude como camaleão em meio à vida, eu não me sentiria bem assim, e não aconselho àqueles que me ouvem que o façam.
Independente de Tudo Viva o Sax
Precisamos de solidez, de decisão, de determinação e de resiliência. Sim, esta última a mais importante de todas, pois nem tudo na música é linha reta, nem sempre nosso desenvolvimento se dá gradativamente para frente, nem tudo na vida se desenrola de maneira constante e racional.
Há pancadas da vida, golpes, traições, doenças, e tantas vicissitudes que nos acometem que precisamos demais saber lidar com tudo isso de maneira a manter a nossa essência viva. Poucos são os que conseguem se manter constantes em meio às turbulências da existência humana, principalmente quando a pancada é muito mais forte do que nós mesmos.
Saber voltar atrás, saber dar dois passos pra trás e três para a frente, é algo que faz parte do desenvolvimento pessoal e principalmente do saxofonista em geral. Não devemos jamais ter uma visão romantizada do saxofone. Ele está sujeito às dificuldades da vida como qualquer outra coisa que pertença à vida.
Sem dúvida alguma a virtude daquele que consegue vencer as vicissitudes da existência em busca de seus objetivos, independente do que aconteça ou deixe de acontecer, é uma das maiores das virtudes, pois é por meio dela que conseguimos construir as coisas de fato.
Às vezes é preciso separar as coisas, fechar os olhos para algumas dificuldades, concentrar-se no que é possível, e não no que é necessário, e muitas das vezes nem pensar no desejável, alcançar o necessário por meio dessa via, a saber, o esforço máximo pelo possível.
Nesse caminho, romantizar a perfeição é algo que só atrapalha, o estudo do saxofone não é perfeito, há retrocessos, guinchos, arrepios, dificuldades que nos parecerão até mesmo em muitas vezes intransponíveis, fatores externos, fatores familiares, questões de saúde, tudo isso está envolvido.
Porém, em meio a tantos acidentes de percurso, chegar a um determinado ponto, e conseguir tocar uma música que dantes não se tocava, encantar alguém com o som mágico deste instrumento, ver que o objetivo viveu, transpassou a dificuldade, e permaneceu vivo, isso de fato não tem meios de ser precificado.
O valor da decisão, da determinação e da resiliência é algo de fundamental para todo saxofonista, e também para quem quer que seja que queira de fato construir algo na vida.
Daniel Vissotto