Há um ditado chinês que diz que o melhor momento para se plantar uma árvore é há vinte anos atrás, e o segundo melhor momento, é o agora.
Vivemos num mundo onde tudo é imediato, a informação corre imediata, a tecnologia visa nos trazer tudo de imediato, de forma que acostumamos a viver as coisas de forma imediata. Imediatez significa algo que não é mediado por algo, uma coisa instantânea, em tempo real.
Acostumamos com esse mundo, a ponto de fazer tudo ao mesmo tempo, e buscando em todas essas coisas a imediatez de uma vida o mais intensa possível, algo que nos permita viver e viver mais, no sentido de aproveitar melhor o nosso momento.
Ao mesmo tempo em que vivemos queremos compartilhar nossa vida, queremos que saibam que vivemos. Viver não mais é o bastante, temos de ter a consciência de que as pessoas sabem que estamos vivendo, e fazemos isso praticamente em tempo real através principalmente das redes sociais um fator que veio para ficar no dia a dia da humanidade.
O irônico dessa situação toda é que quanto mais intenso é o nosso viver, quanto mais coisas fazemos ao mesmo tempo, quanto mais imediato é o resultado daquilo que fazemos, quanto mais rápido é o mover de uma coisa para outra, quanto mais compartilhamos isso para encontrar uma vida ainda maior, menos e menos estamos vivendo as coisas.
O músico que aprende pela internet por exemplo tem a dificuldade de um bombardeio de informações absurdo, de forma que, ao mesmo tempo que está acompanhando tudo e todos, não está acompanhando nada, ao mesmo tempo que aprende sobre tudo, não está aprendendo nada. De forma que seus resultados são pífios no fim das contas.
Nos tempos atuais, quase tudo o que fazemos na vida, se dá com essa característica, quanto mais vivemos, menos participamos da vida, quanto mais queremos viver, menos aproveitamos cada momento, quanto mais longe vamos, mais distantes ficamos de nós mesmos, quanto mais desejamos alcançar nossos objetivos, menos efetivos estamos em nossa empreitada.
Parece que o que queremos em tudo o que fazemos é o resultado imediato, é como se desejássemos plantar uma árvore agora e já colher os seus tão saborosos frutos, e quando isso não nos acontece, entramos em desespero, afinal de contas, todos nós, e principalmente as novas gerações, não estão acostumadas a esperar o momento certo.
Há inúmeras atividades que não se encaixam nessa tônica de vida, e sem dúvida nenhuma a música é uma delas. A música, e mais especificamente o saxofone, não é uma atividade de resultados imediatos, a música é como uma árvore, que começa numa semente, e que, uma vez plantada abaixo da terra nada demonstra de visível, e ainda por cima, levará algum tempo para revelar os seus frutos.
Não é sábio plantar uma árvore e sentar-se ao seu lado à espera do fruto. Ninguém faz isso, todos os que plantam uma árvore, o fazem, e se afastam com a sabedoria de quem entende que aquele resultado do fruto não é imediato, é algo que se dará com o decorrer do tempo, e mesmo que cuide dessa árvore todos os dias, não espera o fruto em todos os dias, mas aceita e vive o momento do cuidado como seu objetivo diário final.
O fruto é o resultado desse esforço e não o sentido de cada movimento, pois não devemos nos concentrar nele, e sim na beleza de plantar um ser vivo como uma árvore, de dar luz a algo que vai servir de sombra para um viajante cansado, de saber que na atividade de plantar essa semente, de cuidar desse ser vivo, e de acompanhar seu crescimento lento com cuidados, no dia a dia, mês a mês, ano a ano, em cada momento desse processo nos trará, desde o primeiro instante, um aprendizado.
É impressionante como o saxofonista iniciante quer tocar todo tipo de música, porém, não se consegue tocar música sem conseguir fazer uma única nota sequer de maneira constante. De forma que todo esforço para se conseguir tocar uma música é vão, se não conseguimos sequer tocar uma única nota como tem de ser.
A diferença principal entre o aprendizado de um adulto e uma criança é a resistência. Uma criança, em sua generalidade, sabe que não sabe, sabe que tem de aprender, sabe que não tem autoridade suficiente para ser a referência do próprio aprendizado, e se submete, a palavra é essa mesmo, submissão ao método de ensino.
Já o adulto resiste ao método, desconfia, se nega a admitir em muitas vezes que não sabe aquilo que muitas das vezes aprendeu errado, ou simplesmente que tem de aprender de alguém e não por si mesmo. O adulto, não poucas vezes, não aceita que não sabe, principalmente quando já tem uma história de aprendizado, e resiste, de forma que ao dizer “isso eu sei”, não faz o que de fato é necessário para saber e o que lhe ocorre é que nunca terá o resultado que quer.
Não que um adulto não possa aprender, de fato as coisas não são assim, o adulto aprende tanto quanto uma criança, a meu ver, pelo menos é assim; desde que saiba reconhecer a própria dificuldade e o grande erro que consiste em preferir incorporar o erro do que se submeter ao método para o vencer de fato, e assim, por meio do reconhecimento de si, e da sua verdadeira situação, encontrar o aprendizado.
Como diz a frase atribuída ao sábio Sócrates: “tudo que sei é que nada sei.” Mas se nada sabe, como pode ser sábio? A resposta devida a essa questão é que o princípio do conhecimento é saber que não se sabe, ter a consciência do não saber é o primeiro passo para passar de fato a saber as coisas. Essa é a grandiosa diferença entre uma criança e um adulto no aprendizado musical.
Voltando ao caso do saxofonista iniciante, sendo ele de qual idade for, num primeiro instante é preciso ser como uma criança, saber que nada sabe, se submeter ao método. Não que uma criança saiba tocar melhor ou tenha um conhecimento vasto da vida, mas ela pelo menos entende que o caminho é aprender de fato, reconhecer o próprio limite, e lançar a nau a partir desse cais, de forma que, em realidade, passará a aprender.
O primeiro passo para o aprendizado é não dar asas a nenhuma forma de resistência, isso se estivermos aprendendo com a pessoa certa. O segundo passo do aprendizado, e não menos importante, é conhecer a fundo o verdadeiro significado da palavra paciência. Virtude rara e quase extinta de nosso dia dia no mundo de hoje. A paciência é o que nos faz plantar uma árvore, e saber de fato esperar o suficiente para, em um belo momento, um momento mágico, colher o seu fruto.
A diferença entre os que colhem o fruto, e os que não conseguem colher, está nessa pequena virtude, nessa quase que ignorada palavra de nove letras, a saber, a paciência. É preciso ter uma visão de longo prazo na música, o saxofone não se aprende da noite para o dia, é como uma árvore plantada, o fruto jamais é imediato. Fixar-se no fruto, ou seja, nos resultados finais de nossos estudos musicais é um erro crasso de inúmeros saxofonistas que estão começando.
Ao invés de prender-se ao processo de aprendizado e à riqueza de lições que ele nos traz em todas as áreas da vida, prendem-se aos resultados finais dos estudos; preferem ao invés de plantar a árvore, e curtir o crescimento desta com a alegria de quem tem a consciência de seu tempo certo, fixar-se no resultado final imediato como quem senta-se ao lado da semente plantada e espera o seu fruto sem ter a consciência de que muitas coisas na vida não são assim.
Paciência vem do latim patientia do radical pati que quer dizer sofrer, aguentar e também do radical grego pathe que quer dizer sentimento. Daí a expressão paciente para aquele que precisa de cuidados e tratamentos para uma determinada patologia. A pessoa paciente é aquela que sabe suportar, sofrer, a espera de maneira feliz, sem se deixar levar pelo desequilíbrio da imediatez.
Paciência, entre muitos significados do termo, quer dizer também submissão, indulgência, leniência, humildade. No sentido daquele que aceita esperar, aceita que a coisa não é imediata, aceita aprender, aceita o processo do aprendizado, e não se põe diante da situação como alguém que já nasceu pronto. Ninguém nasceu pronto.
Muitos alunos resistem a viver o agora, querem viver no futuro, muitos resistem a aprender, querem apenas a confirmação de que tudo já sabem, outros ainda resistem a pegar o caminho seguro desde o fácil ao difícil, preferem se lançar na dificuldade que não têm a mínima condição de abarcar. A falta de paciência, e não a falta de talento, é o real e único motivo da desistência de um número muito grande de alunos que querem realizar o sonho de tocar o saxofone.
Mais do que nunca, o segundo melhor momento para se plantar uma árvore, é agora, e o fruto não deve jamais ser nosso único objetivo, mas sim a maravilha de se dar luz à construção de algo concreto na vida, algo de fato belo. Se nos concentramos na grandiosidade do processo de aprendizado, e nos efeitos que essa atividade tem em nosso viver, certamente em algum momento teremos o fruto, porém, se nos concentrarmos unicamente no fruto, estaremos como o louco que se sentou do lado da semente e parou tudo na sua vida exigindo da realidade aquilo que ela não pode dar.
Toda jornada começa pelo primeiro passo, é preciso saber trilhar os passos de maneira correta, é preciso olhar a paisagem, é preciso aproveitar do processo de aprendizado da melhor maneira possível, e assim, com paciência chegaremos à magia do saxofone.
Daniel Vissotto