A pergunta que se faz é, como extrair de uma simples música o máximo que ela pode nos oferecer? Falando em termos de música ocidental, e mais especificamente do estilo popular de música, temos o seguinte roteiro. Vale a pena conhecer.
Para tirar uma música a partir de uma partitura, temos de ter uma noção mínima de leitura musical, essa noção variará de acordo com a complexidade da música e da partitura na qual ela está escrita. Sem isso não há possibilidade de extrair música de uma partitura.
Tendo essa noção de leitura, precisamos como segundo passo ler, devagar, a partitura como ela está escrita, solfejando (falando as notas no ritmo correto) a partitura como tem de ser, dividindo as notas e altura das mesmas sem erros, apenas na leitura pela voz.
Depois disso, o próximo passo é tirar a melodia dessa partitura no saxofone, tocar o que lemos, exatamente como está escrito, com um metrônomo, sentir a sensação musical da música aos poucos, conforme vamos tirando e tocando a mesma, até ganhar certa fluência na partitura.
Depois de conhecida a música a partir da partitura, solfejada, e tocada como ela está escrita, o próximo passo é ouvir muitas interpretações da música, começando pela interpretação mais conhecida, se possível a original, no sentido de conhecer a música como ela é opinada pelos demais.
Aqui uma ressalva, devemos ouvir as gravações consagradas em primeiro plano, depois as menos reconhecidas. Se possível encontrar a mais famosa gravação da música, e se ainda possível, saber qual é a gravação original da mesma, a interpretação para a qual a música foi feita.
Importante é ouvir saxofonistas conhecidos, depois desconhecidos, então passar para cantores consagrados, depois menos reconhecidos, ouvir também a interpretação de outros instrumentos, em especial instrumentos de sopro, não desprezar o aprendizado por meio de outros instrumentos também.
Ouvir muito é necessário, cantar junto, perceber as nuanças de diferenças entre os inúmeros intérpretes, captar o que se acha interessante e o que salta aos olhos nessas interpretações, anotar, sentir, decorar até o momento em que, naturalmente, a música é introjetada, ao menos na percepção, começa a fazer parte de nós.
É importante escolher uma dessas gravações como guia para a interpretação, não se perder em meio a elas, ter uma pauta definida numa só interpretação, aquela que escolhemos como a mais bela, a mais próxima daquilo que desejamos como nosso parâmetro ao tocar.
Feito isso, começar a transmitir a interpretação para o saxofone, cantar nota por nota, encontrar nota por nota no saxofone, absorver pelo ouvir, cantar e reproduzir no sax, a interpretação escolhida, compreender que sempre haverá muito a aprender com os outros, até mesmo porque, sendo uma linguagem, a música se aprende, pelo menos num primeiro instante, imitando.
Fazer o mesmo com outras gravações, absorver elementos novos de outras interpretações, sempre ouvindo muito, cantando, e reproduzindo no saxofone o que se ouve aos poucos, absorvendo a linguagem da música, do ritmo em que ela é tocada, do fraseado característico desse ritmo e tudo o mais.
Ao absorver elementos de duas ou três interpretações reconhecidas da música em questão, fazer uma adaptação disso à partitura, e ao ritmo desta partitura que lemos antes, no início. A adaptação passa por perceber que nas diferentes versões há elementos em comum para que a música seja a mesma música, e é nesse terreno de intersecção que devemos caminhar para absorver o que vamos usar na nossa música.
A interpretação é diferente da ornamentação. A ornamentação faz parte da interpretação, é o último estágio dela. Há a melodia pura, como ela está escrita, há também a melodia interpretada, com alguns elementos a mais e variações, a há por último a melodia ornamentada, com o requinte de alguns ornamentos que julgamos belos.
Os ornamentos também se aprende ouvindo, captando, imitando, sentindo. Lembrando sempre que nunca devemos adulterar a melodia a tal ponto que ela não seja reconhecida, e muito menos transformar, pelo exagero, a melodia num grandioso ornamento. Os ornamentos vêm para embelezar e não para dominar a interpretação.
Lemos a música, tiramos como está escrita, interpretamos e ornamentamos. Agora é hora de passar para a improvisação propriamente dita. Na improvisação a nossa tarefa é criar uma outra melodia, um pouco mais complexa, sobre a mesma harmonia da música, a maioria esmagadora das improvisações se dá dessa forma.
Há arranjos que improvisam sobre uma harmonia particular para a improvisação, e há músicas em que a harmonização é improvisada em conjunto com a melodia praticada na improvisação, de sorte que temos um estilo livre. Mas vamos falar pelo tipo de improvisação mais comum, que seria a de criar melodias diferentes sobre a mesma harmonia de um tema musical.
Para criar essas melodias, o ideal é que estudemos e conheçamos a harmonia dessa música, primeiro com a versão harmônica original, talvez a mais simples e óbvia. Precisamos saber exatamente quais escalas, e quais acordes estão se sucedendo na progressão harmônica em questão. Isso nos facilitará no momento de criar melodias (histórias).
Depois de estudada a progressão harmônica original, é interessante que se busque, através de um instrumento harmônico complementar, harmonizar essa música de outras formas, encontrar alternativas para a harmonia original, brincar com isso, e encontrar outras progressões harmônicas alternativas para a mesma melodia, algumas compatíveis com a harmonia original e outras não.
Tendo esse conhecimento, e essa prática, ficará muito mais fácil de criar no momento de improvisar. Improvisar às cegas também é possível, é um exercício interessante, mas não conduz ao domínio perfeito de uma música, de sorte que não faz parte deste assunto. Tomar consciência da harmonia de fato de uma música é fundamental para o pleno domínio da mesma, o mesmo se soubermos rearmonizar essa música com progressões alternativas.
Então passamos a improvisar no ritmo musical original dessa música sempre buscando algo novo, a improvisação do Jazz não preza pela melodia original, ela preza pela criação de uma melodia alternativa, e mais complexa do que o tema, e sua característica principal é lançar-se sempre adiante, sempre buscando algo novo e diferente.
Podemos como penúltimo passo tentar tocar essa mesma música e improvisar sobre ela, em ritmos diferentes. Tocar uma música em swing, em samba, em salsa e etc. Ou seja, reproduzir a linguagem de diferentes ritmos, pois cada um tem o seu vocabulário musical, o que nos ajudará a evoluir dentro disso.
O último passo para o pleno domínio de uma música é, tendo decorado sua melodia e harmonia de maneira inequívoca e plena, conseguir transportar isso para todos os doze tons. Tocar, interpretar, ornamentar, improvisar e alterar o ritmo em todos os doze tons.
Amigo, quem seguir este roteiro em uma só música, terá conseguido estudar inúmeras músicas. Este realmente conhecerá essa música a fundo, e não só ela, mas todas as músicas que fazem parte dessa mesma linguagem, o que no ocidente é muitíssimo comum.
Fazendo isso em várias músicas? Isso sim nos trará o domínio do saxofone.
Daniel Vissotto