Poucos percebem a influência do Estado de Espírito na Performance Musical. Muitos encaram a música como uma técnica pura, na qual basta estar preparados para poder tocar.
Porém, a verdade mesma é que a música depende de um estado de espírito propício para acontecer. A performance musical acontece através de um estado de espírito, sempre.
Embora todos nós busquemos uma constância de espírito, até mesmo para que possamos ser compreendidos pelo mundo, temos de ter em mente que ter altos e baixos são algo comum para todos.
Há momentos em que nos sentimos grandiosos e infalíveis, e há momentos em que estamos abatidos e desanimados conosco mesmos.
Porém, independente disso, temos de ter um grau de constância para realizar o que temos de realizar no nosso dia a dia. Sem isso nos transformaremos em improdutivos e incompreensíveis para quem está ao nosso redor.
A Importância da Constância na Performance Musical
Ninguém consegue desempenhar uma obra no mundo sem que haja um mínimo de constância no seu desempenho, pois nada é feito de incursões desorganizadas e momentâneas, mas de um propósito definido e organizado que se dá no dia a dia.
Não entrando no mérito do que nos dá força ou deixa de nos dar força, pois as pessoas pensam diferente a respeito disso, posso dizer que é importante desempenhar o que fazemos com determinada constância.
Ser constante e estável é o mesmo que ser alguém que consegue manter um mínimo de produtividade diária, um mínimo de excelência no que faz, um mínimo de ritmo de vida, e até mesmo, por que não, de rotina de produtividade.
A música também é assim. Sendo uma atividade da alma, a música fala de um mundo interior, e esse mundo interior são nossos sentimentos mais verdadeiros, mais sinceros, de nosso dia a dia.
De forma que um músico, revela, pelo menos em parte, um pouco da verdade de seu interior enquanto toca. Por mais que interprete, por mais que esteja fingindo, certamente em alguma medida se revelará em suas notas.
Ainda que forcemos para que a constância aconteça, é inevitável que há dias e também ambientes, em que nos sentimos melhor e outros nos quais nos sentimos pior. De forma que a oscilação dos sentimentos é, em certa medida, inevitável.
A Oscilação de Espírito é Inevitável
Sendo inevitável precisamos saber lidar com ela, de forma a poder extrair disso o que há de melhor, pois a música certamente, sendo uma atividade que reflete a alma, refletirá essas oscilações, esses dias bons e maus.
Lembro-me de ter um compromisso de tocar sempre no mesmo local com um público mais ou menos fiel que gostava de me ouvir. E havia dias que ao ir tocar, e terminar minha participação, as pessoas simplesmente se emocionavam e vinham me cumprimentar efusivamente.
Já em outros dias, no mesmo local, talvez com o mesmo público ou coisa muito parecida, a apresentação passava quase que despercebida, de forma que é inevitável que o espírito se reflita na nossa performance, em todos os sentidos da expressão musical.
Música é troca, e troca de sentimentos, de impressões, de energias, de vida e de história. Quando nada temos a oferecer ao público, ele sente isso, ele sente que há algo faltando, mesmo que não tenha plena consciência do que está acontecendo.
No entanto, quando estamos abundantes de vida e de energia, o público recebe isso como que uma força tremenda, um interesse tremendo, e cada nota, por mais simples que seja, é tocada de forma diferente, é tocada com intensão diferente, e atinge diferentemente o público.
É como o que se chama de carisma, é preciso ter carisma para tocar, e uma pessoa carismática é uma pessoa transbordante de sentimentos positivos, que certamente afetarão positivamente a todos ao redor.
A Performance Musical na Minha História
Em minha história houve apresentações que fiz que foram memoráveis. Tamanho o estado de espírito que me encontrava no momento de tais apresentações. Lembro-me de quase tudo o que fiz nessas apresentações, e as pessoas também receberam esse impacto e se lembram de mim.
Quem é este? É o saxofonista de tal dia, em tal lugar, com tal música. E todos se lembram, e é impressionante também que me cumprimentam até hoje por tal performance, mesmo quando, às vezes, não foi registrada e gravada.
Lembro-me de um show que foi feito em meio a um casamento em São Paulo, há muito tempo atrás, a energia era tão positiva para mim, eu estava tão sintonizado com o público, que cada nota que eu tocava, simplesmente, os atingia de forma especial, foi um dia inesquecível. Não cito a data para preservar os envolvidos no evento.
Pelo menos no meu caso, e acredito que com todos é assim, é preciso se sentir bem para tocar bem, é preciso estar em paz consigo mesmo, é preciso estar preparado e confiante do que se vai fazer, é preciso ter plena consciência de quem se é, a quê se veio, e em qual ponto quer se dar.
Todavia, houve outros momentos de apresentação nos quais eu me preparei absurdamente pra fazer, estava plenamente em dia com meus estudos, com meu saxofone, com tudo, porém, ao pisar no palco posso ter me sentido mal por algum outro motivo, seja dentro do palco ou fora dele.
Não vou dizer que fiz mal feito, porém, a apresentação, mesmo tendo sido tremendamente bem feita, não obteve o mesmo efeito, porque as notas musicais refletem o que vai dentro, em alguma medida é possível saber sobre um músico enquanto ele toca.
Preocupar-se com o Ambiente é Necessário
Por isso é importante para todos nós, independente de qual atividade musical fazemos, preparar todo um ambiente em torno de nós musicalmente. Tensões, brigas, desafetos, isso nunca será bom para um grupo, para uma apresentação.
Independente da parte musical que deve estar sempre em dia, fortalecida por bons estudos e um bom professor, pois ninguém consegue tocar bem sem estar preparado para tanto, por melhor que seja o seu estado de espírito. A questão musical é fundamental, mas é preciso, além disso, ter um ambiente favorável para que a coisa possa acontecer de fato.
Sempre que formos formar uma banda, desempenhar um papel musical numa apresentação, num evento, num concerto, tudo o que está ao redor deve ser pensado, tudo o que fazemos deve ser selecionado e proporcionado para que tenhamos o melhor estado de espírito possível.
Não, ninguém é de ferro, as pessoas naturalmente, por diferentes motivos, ambientes e acontecimentos se deixam afetar, porém, é preciso saber que o show tem de continuar, independente do que possa ter acontecido ou não.
Alguns passos são importantes na hora de se pôr diante de um público. Fortalecer-se espiritualmente, ter um propósito bem definido daquilo que está fazendo, uma consciência bem aberta a respeito do que se vai realizar, o porquê de estar agindo como está agindo etc.
Escolher pessoas certas e se afastar de pessoas erradas é importante também. Há pessoas que, independente do que fazemos ou deixamos de fazer, possuem uma disposições negativas para conosco, esse é um dos principais fatores do estado de espírito.
É preciso selecionar quem está ao nosso redor e quem não está, nos associar a pessoas positivas, cultivar uma boa energia em meio a essas pessoas, e produzir assim uma música associada a isso.
Precisamos saber escolher quem nos acompanha, principalmente num momento em que estamos nos apresentando ou vamos nos apresentar. Saber com quem estamos tocando, onde estamos tocando, o que estamos tocando, e para quem estamos tocando, é preciso saber qual a linguagem a falar.
O Fator Musical não é Tudo
Tudo isso nos influencia, e deve ser pesado no momento em que vamos escolher tocar. Estar preparado musicalmente é condição fundamental para que possamos tocar, mas não é tudo, é preciso criar uma ambiência positiva ao nosso redor, desde os primeiros momentos até o pós apresentação.
O estado de espírito, independente do que temos condições de tocar ou não é determinante para nossa performance, uma nota que seja, tocada com alegria e disposição, soará diferente para quem ouve, do que uma nota tocada com desânimo e falta de empenho.
Sou partidário da música verdade, ou seja, o conceito que associa o que tocamos ao sentimento que temos, nem todos pensam assim, porém, tenho certeza absoluta de que, no momento em que acreditamos no que fazemos, e somos coerentes com nosso sentimento, a coisa acontece, e acontece como tem de acontecer.
Tocar não é pura e simplesmente interpretar algo de maneira mentirosa e falsa. Há sim essa possibilidade, porém, certamente quando nos pomos a fazer algo em que acreditamos de fato, e que sentimos de verdade, certamente atingiremos com muito mais eficiência um número muito maior de pessoas.
É preciso ter constância, porém, também é preciso ter consciência de que devemos cultivar ao nosso redor um ambiente positivo, uma energia positiva, pois música não se trata somente de uma técnica que se desenvolve, mas de uma expressão direta e inequívoca da alma.
Daniel Vissotto