Quando falamos do humano temos de ceder para o inesperado. Não há como fazer ciência do fator humano em si, as contingências são muito grandes e numerosas, embora possamos identificar e abstrair fatores comuns, nunca conseguiremos abarcar todas as possibilidades.
Nesse contexto venho falar do estudo musical, ou seja, o do controle de si próprio para a produtividade. Todos nós temos as nossas vicissitudes diárias, muitas das quais não temos domínio, de forma que obter o controle de si passa a ser uma das tarefas mais complexas do ser humano.
Há sábios que dizem que o controlar-se a si mesmo é o sinônimo de controlar o tudo ao redor. Lao Tsé, o filósofo chinês que foi um dos responsáveis pelo movimento religioso do Taoísmo, dizia que “quem vence os outros é forte, quem vence a si mesmo é invencível.”
É necessário vencer a si mesmo para poder ter um estudo musical satisfatório, não podemos nos conformar com a inconstância e a improdutividade, devemos empregar um esforço calculado a respeito do auto-controle nos estudos musicais e na vida.
Não culpe o que está ao redor
Apoiar-se em desculpas para a falta de excelência naquilo que fazemos não pode ser uma opção, os problemas e sofrimentos diários são comuns a todos, no entanto, não devemos nos enfraquecer e nos curvar a ponto de desistir e nos entregar a isso.
O brio de assumir as rédeas do processo de desenvolvimento musical e pessoal tem de estar presente em nossa vida, ainda mais num mundo onde o tempo é escasso, onde a informação superabunda, e onde a sociedade se preocupa cada vez menos com valores.
Assumir-se como personagem principal de nossas vidas, e não como um coadjuvante de fatores conjunturais, é necessário para que possamos economizar tempo, aproveitar a informação que nos é dada, e vencer a influência maléfica do que está ao nosso redor.
Grandes músicos são músicos que, sem geral, se controlam, que controlam seus estudos, sua rotina diária, sua produtividade, seu tempo, que sabem transitar em meio aos próprios problemas pessoais sem se deixar abalar, que encontram, pela virtude do empenho a condição de donos do próprio destino.
Dito isto, com a consciência de que a excelência é possível, de que deve ser visada, e de que não devemos nos conformar com menos do que ela, sabemos que precisamos de uma transformação.
Sair da zona de conforto é algo que nos traz conseqüentemente uma zona de desconforto, de dúvida, de inexperiência, de impossibilidades, de medos, e de julgamento. Não podemos pensar que a coisa se resolverá de uma hora para outra, até que atinjamos o conforto numa nova situação temos de passar por uma zona de prova.
É preciso estar disposto a isso para poder vencer, e nem todos, por mais improdutiva e vergonhosa que seja uma zona de conforto, estão dispostos ao trabalho que há em vencê-la e em dominar uma nova situação. Entretanto, nenhum trunfo na vida se alcança senão por meio desse caminho.
A questão do tempo no estudo de saxofone
Trazendo isso para o estudo musical propriamente dito, temos que vivemos num momento histórico onde o tempo é escasso e o que temos em primeira mão para produzir em relação ao saxofone, é o tempo livre em que não estamos com o saxofone.
Seria de se admirar se calculássemos quanto tempo temos nesse sentido. O quanto tempo passamos, por força de outras atividades, no nosso dia a dia, que poderia ser aproveitado para esse fim. Precisamos identificar esse tempo e passar a utilizá-lo de maneira inteligente.
Há meios de se estudar o saxofone sem a presença do instrumento, e venho falar de alguns deles aqui para que, estes momentos em que por força de nossas atividades estamos forçados a não fazer algo, mas não temos oportunidade de estar com o sax, possam ser aproveitados.
Uma fila em algum lugar, um momento intermediário entre uma atividade e outra, uma situação de espera, um tempo de viagem entre um local e outro, uma atividade paralela que não exija muita atenção, tudo isso e muito mais pode ser aproveitado como fonte de estudo de saxofone, sem sax.
Mas o que estudaríamos nesses momentos? Falarei de quatro possibilidades, porém, existem mais delas, basta ser criativo e ter disposição para realizá-las com empenho. Ouvir música, analisar música, treinar digitação sem sax, e também estudar solfejo ou teoria musical.
Ouvir música de maneira passiva enquanto fazemos outras atividades que não exigem muita atenção, estar, sempre que possível, ouvindo música, ouvindo muito saxofone, aproveitando esta atenção periférica para o estudo musical, isso certamente contribuirá para o seu desenvolvimento.
A segunda possibilidade seria ouvir música de maneira ativa, ou seja, escutar música analiticamente, aproveitar um tempo livre para parar tudo e escutar música com atenção plena, procurar discernir o que de fato está ocorrendo na gravação, tanto em termos de timbres, arranjos, em termos harmônicos, melódicos, no improviso etc.
Outra possibilidade, num momento em que temos de fazer algo que não exija muita atenção, ou esperar por algo de maneira livre, aproveitar este tempo para treinar digitação do sax, sem o sax. Isso mesmo, ficaríamos abismados de ver o quanto isso pode influenciar positivamente nosso estudo, se feito com frequência durante o nosso dia a dia.
Estudar teoria e leitura musical também é importante, às vezes estamos numa fila há tempos e nada podemos fazer senão esperar, o que nos custa sacar uma partitura e começar a trabalhá-la em termos de solfejo, ou ler alguma coisa relacionada à música e ao aprendizado musical teórico? Não há necessidade de pararmos tudo, devemos aproveitar esses momentos também.
Quanto ao tempo que passamos com o instrumento, o que para alguns é muito e para outros muito pouco, temos de aproveitá-lo ao máximo, da maneira mais produtiva e otimizada que pudermos, para extrair dele o desenvolvimento que queremos e assim encontrar nos nossos estudos resultados mais efetivos e rápidos.
O que e como estudar no saxofone?
O primeiro passo está em saber o quê e como estudar, tudo no estudo musical passa por isso, e para tanto, precisamos ter a absoluta consciência do que vamos estudar a cada dia de estudo, e de como devemos fazê-lo, sem isso estamos fadados à paralisia e à improdutividade.
Há algum tempo venho destacando a importância de dez ítens para o desenvolvimento do saxofone, e são eles: a sonoridade, a leitura, a percepção, a técnica, a harmonia, músicas específicas, interpretação, improvisação, gravação e avaliação de si, e um repertório.
A sonoridade seria aquilo que envolve a produção do som do saxofone em si mesmo, sua estabilidade, sua afinação, seu timbre, sua projeção, sua intensidade, e tudo aquilo que está englobado no processo de produção do som mesmo como ele deve ser.
A leitura se relaciona ao decifrar do código da partitura, com cada vez maior musicalidade, e também cada vez maior rapidez, a ponto de chegar a ser instantâneo, ou seja, à primeira vista, esse é o objetivo de todo músico que se preze.
A percepção está no ato de identificar sons, seja pela sua altura, ou seja, por relação entre notas, ou notas em si mesmas, seja pela afinação, no processo de desenvolvimento do senso de afinação, seja pelos diferentes timbres de um mesmo instrumento ou instrumentos diferentes, pela rítmica, no sentido de captar frases rítmicas, também em arranjos etc.
A técnica engloba a questão mecânica do saxofone, a digitação de frases, escalas, arpejos etc. no sentido de trabalhar muito mais a área da memória muscular e o automatismo através da repetição, ou seja, tocar muito limpo, seja de maneira lenta, seja de maneira rápida, que por sinal, são técnicas diferentes.
A harmonia trabalha a verticalidade do som, ou seja, a simultaneidade dos mesmos, e como isso se dá para o saxofone e na execução do saxofone em si mesma. É importante conhecer a harmonia, é importante saber basear-se num acorde para produzir uma frase, é importante conhecer e expressar a cifragem no saxofone e assim por diante.
Músicas específicas se refere a estudar a harmonia e a melodia de uma música em si mesma, se possível nos principais tons, ou em todos os doze, o que certamente vai trazer um benefício de visão e domínio do instrumento sem igual. Saber a fundo a melodia, e também a harmonia de uma música, bem como suas possibilidades de rearmonização certamente será algo de positivo para o instrumentista.
A interpretação já engloba o que chamamos de fator criativo do músico, no sentido de embelezar uma melodia com um toque próprio, uma assinatura, uma digital. É importante praticar a interpretação nos diferentes estilos, com diferentes músicas, isso certamente trará uma facilidade de expressão muito grande para o músico.
Já a improvisação em si mesma seria a arte de criar novas melodias um pouco mais complexas para as mesmas harmonias dos temas propostos, há outras formas de improvisação, mas estrito senso seria esta a mais comum, o importante é dar asas à criatividade e também à linguagem vigente no mundo musical para poder assim expressar sua opinião própria em meio a uma música.
A gravação e avaliação de si diz respeito ao visualizar-se musicalmente como que num espelho, ficaríamos abismados de perceber o quantum de coisas que não percebemos quando estamos nos ouvindo em meio a uma execução em comparação com o que ouvimos quando estamos diante de uma gravação de nós mesmos. Este deve ser um hábito diário do músico.
O repertório é o que faz do músico um músico de fato. Ninguém é músico sem um repertório, tocar música é na verdade tocar músicas, e se não temos domínio de nenhuma música não podemos nos dizer músicos de fato. É preciso dominar e ter debaixo dos dedos um repertório para apresentação em todas as situações que nos forem exigidas.
Sabendo o que estudar em nosso tempo com o saxofone as coisas se tornam mais fáceis. Passemos agora à compreensão de como devemos gerir nossos estudos para o máximo aproveitamento.
Como Gerir o Tempo Disponível no Estudo de Sax
É importante para nós músicos definir metas objetivas, claras e distintas de curto (um dia, uma semana), médio (um mês), e longo prazo (um semestre, um ano). Não podemos estudar como se estivéssemos à deriva, temos de ter metas alcançáveis que nos guiem em direção e temporalidade para resultados certos e rápidos.
Estudar com frequência é fundamental, o aprendizado se dá pela repetição e pela prática distribuída, e não pela intensidade ocasional. Estudar várias vezes de maneira curta o que temos de estudar é muitíssimo mais efetivo do que estudar tudo de uma só vez, e depois parar por longo tempo.
Distribuir e abordar os diferentes aspectos do aprendizado musical (os dez que mencionamos acima) no seu estudo é importante, no sentido de abarcar todas as áreas necessárias ao estudo da música e do saxofone. Isso pode ser feito num estudo que distribuí as várias áreas do conhecimento num só dia, ou em vários dias num ciclo de dias.
Para que o cérebro possa trabalhar com conforto e produtividade, é importante fazer sessões curtas de estudo, com menos de uma hora de duração, dando espaço a pausas que permitam a decantação do conhecimento obtido, de forma que haja um sadio desenvolvimento. É preciso ser solidário a si mesmo.
Como falamos o fator humano está sujeito a acidentes do cotidiano, de forma que a flexibilidade é fundamental, de nada adianta sermos por demais rígidos conosco mesmos, devemos saber lidar com variações do dia a dia, e saber nos adaptar a tudo isso de forma inteligente e produtiva, exigir rigidez demais leva à paralisia.
O Poder do Hábito no Estudo de Sax
No meu curso online de saxofone para iniciantes, o Curso Viva o Sax Básico, há um capítulo exclusivo sobre a organização do tempo de estudo, coisa que julgo tão importante quanto o próprio estudo em si mesmo, de sorte que saber se organizar é saber encontrar resultados. Para tanto precisamos adquirir bons hábitos.
Bons hábitos são fortalecidos pela repetição e confirmação dos mesmos, coisas como viver com disciplina, planejamento, organização e concentração são virtudes que adquirimos aos poucos, num processo de transformação que se dá no tempo. Precisamos estar dispostos a essa mudança, nos conscientizando dos inúmeros e infinitamente intensos benefícios que isso nos traz.
Nem se menciona o fato de que precisamos perder maus hábitos também para adquirir os bons hábitos que buscamos, como sempre, numa priorização devemos sacrificar coisas, e entre essas coisas estão os maus hábitos que nos destróem, apesar de serem, momentaneamente prazerosos em algum sentido, ainda que destrutivos a longo prazo.
Nesse contexto todo, paciência e compreensão, bem como o auto-perdão, são fundamentais para a conquista de um novo patamar de vida e de estudos musicais, este artigo não tem por fim causar constrangimento, mas na verdade, produzir desejo e motivação para com a mudança e conquista de um novo viver musical.
Daniel Vissotto