Quando se fala em métodos de ensino, a polêmica é certa, porém, necessária em muitos momentos, pois do debate de idéias surge a produtividade em todos os sentidos, aliás, esse é o sentido da democracia (coisa rara em nossos dias).
Nesse assunto cada um quer puxar a sardinha para o seu lado, de forma que todos criticam todos, e quase todos assumem o caráter de única solução plausível de resultado, até mesmo, o único caminho que pode ser chamado de certo.
Em matéria de arte, de uma maneira geral, é um pouco estranho trazer o conceito do certo e do errado, porém, ele é o mais utilizado por aí a fora, e numa época em que há o embate inevitável de informação algumas incongruências são insustentáveis.
É muito fácil abordar alguém com alguns termos inovadores e argumentos e dizer-se o inventor da roda, e mais, afirmar que esta é a única solução para o aprendizado geral, como se todos fôssemos fruto de uma só maneira de enxergar e nos relacionar com a música.
Na atualidade o que mais se vê são pessoas afirmando terem descoberto o único método capaz de fazer você aprender, ou ainda, de aprender muitíssimo mais rápido, de forma que ficamos até um pouco confusos, pois basta um clique para recebermos seis ou sete sugestões de métodos de aprendizado diferentes, e um mais eficaz do que o outro.
Segundo a tradição do passado, muito presente nas igrejas do Brasil, temos na música uma única proposta de caminho a ser seguido, a saber, aprender a teoria e a leitura antes da prática e da percepção. Mais recentemente, procurando revolucionar essa visão, surgem abordagens voltadas para a reação a tudo isso, a saber, aprender a prática e a percepção antes de tudo, e dar pouco ou nenhum valor à teoria ou à leitura musical.
Toda época humana tem a característica da preponderância sobre as demais épocas. Toda época atual se julga a maior autoridade nos assuntos com os quais está lidando, e vê de forma caricata e até mesmo decadente o que se aprendeu ou se utilizou em épocas passadas.
A dialética humana é bem interessante de se entender, uma vertente defende um lado da moeda, depois disso temos a reação a esse lado por outra vertente histórica mais recente, defendendo o lado oposto. A meu ver nenhuma dessas visões condiz com a sensatez, pois ambas são quase que reações radicais umas das outras.
O que a época atual da humanidade não percebe é que toda época humana foi, é ou será atual, de forma que assim como o presente julga o passado de antiquado e fora de moda, o futuro julgará o presente como algo antiquado e fora de moda também. E esse caminho nunca cessará, de forma que é um engano, uma ilusão julgar-se num momento privilegiado da história.
Ao mesmo tempo que não podemos lançar fora o que a tradição nos traz, não podemos desprezar novas possibilidades. É um grau de ousadia e até mesmo, diria, de arrogância pôr-se a si mesmo como inventor único daquilo que supera a tudo e a todos, como se nada mais fizesse sentido senão o que o eu mesmo falo. Aquela coisa que afirma que tudo está errado menos eu.
O argumento do aprendizado tradicional seria talvez o de que é preciso saber o que se faz, antes de se fazer, a prioridade da teoria e da leitura antes da prática e da percepção musical se dá pelo fato de que teme-se muitas vezes que o segundo passo seja mais prazeroso do que o primeiro, de forma que venha a ofuscá-lo.
Já o argumento do aprendizado mais recente, aquela reação a tudo isso, que visa revolucionar a proposta tradicional, é o de que há um aprendizado natural, a criança aprende primeiro a falar e a se expressar, e depois aprende a gramática para ler e escrever. De forma que é preciso e até mesmo natural, e essa é a expressão usada, aprender a tocar e depois a conscientizar-se do que se está tocando.
De fato, ambos os argumentos fazem sentido em alguma medida, não venho aqui defender uma terceira via inevitável que vá superar as demais, pelo contrário, venho apenas trazer uma alternativa para o enriquecimento do debate, e para ampliar as possibilidades num mundo onde todos se relacionam com a música de uma forma diferente.
A meu ver, e nisso não tenho nada de invenção pessoal, ambas as formas de aprendizado não são excludentes. Aprender a tocar lendo, não exclui a possibilidade de aprender a tocar de ouvido, e vice-versa, uma coisa não necessariamente subtrai a outra, pelo contrário, o que ocorre de fato é que uma coisa soma com a outra.
No momento em que sou deparado com a questão do chamado aprendizado natural (aprender necessariamente a percepção e a prática antes da teoria e da leitura como a criança que aprende a falar depois a escrever e ler) me vem à mente a seguinte questão: há uma diferença entre dar aulas a uma criança e dar aulas a um adulto.
Logo, há uma diferença crucial entre o aprendizado de uma criança e o aprendizado de um adulto, por que um adulto aprenderia música do mesmo modo que uma criança aprende a falar? A criança tem uma série de facilidades e limitações que um adulto não possui, e o adulto também tem as suas facilidades e limitações que uma criança não possui.
Dessa forma o chamado aprendizado natural não se encaixa nas duas situações. Ninguém nasceu adulto, e ninguém é criança depois de amadurecido, de forma que uma coisa não diz respeito a outra. Caso as coisas fossem assim, a proposta faria sentido, no entanto, de fato não são.
Sendo um adulto, ou seja, alguém que já tem consciência das coisas e que sabe discernir faculdades, a meu ver, torna-se dispensável colocar um aprendizado antes do outro, seja a teoria antes da prática, ou a prática antes da teoria, embora saiba que eu caminho no campo da opinião e não da verdade, não consigo ver de outra forma: a teoria e a leitura têm de acompanhar a prática e a percepção, como estudos simultâneos contribuindo um com o outro, de forma livre.
Fazendo dessa forma o que se tem, é um desenvolvimento não pura e simplesmente igualitário, mas ainda assim complementar, da leitura e da teoria, em conjunto com a percepção e a prática, uma coisa ajudando a outra a vigorar, uma coisa contribuindo para o florescer da outra.
Não, não desprezo a tradição, porém, não vejo o motivo pelo qual se faria assim, ou seja, colocar a teoria como um passo preparatório para a prática, e muito menos o contrário, colocar a prática e a percepção antes de tudo como algo que necessariamente deva acontecer. Não sendo faculdades excludentes, e até mesmo sendo complementares, não vejo motivo para ambas não caminharem em paralelo e de forma simultânea.
O que consigo enxergar é uma exagero de ambas as partes no privilégio de uma das áreas da música em relação à visão oposta, uma simples reação do tempo atual ao tempo passado. De forma que, da mesma forma teremos uma reação futura à chamada revolução presente.
O que proponho a meus alunos, e a todos aqueles que procuram aprender saxofone comigo, é o meio termo, a temperança entre uma coisa e outra. Muita teoria sem a prática tende a causar desânimo e esquecimento. Muita prática sem teoria tende a causar vícios, inconsistência, e incapacidade de se controlar.
A meu ver, e esta é minha humilde contribuição ao debate, ambas as áreas do conhecimento musical devem e precisam caminhar juntas, uma ajudando a outra. O músico completo lê, o músico completo toca de ouvido, o músico completo sabe o que faz, o músico completo faz o que sabe, e tudo isso forma o que chamamos de aprendizado musical.
Não devemos lançar fora a tradição musical, e nem as novas abordagens, porém, o que nos resta sempre em tudo, é o comedimento, a temperança, e a moderação. Há sim a possibilidade quase impossível de inventarmos a roda, porém, é tão rara e tão imprevisível que alçar-se a todo momento nessa condição a partir de si mesmo pura e simplesmente nos torna em algum sentido hostis.
Precisamos dar valor a tudo, ouvir de tudo, e reter o que nos convém. Essa é a minha abordagem, se é melhor ou pior, depende, porém, é o que me faz de fato muitíssimo sentido.
Daniel Vissotto